
Gosto de olhar para fotografias antigas. Ver como eram as pessoas, as roupas, os costumes. A maior parte das vezes, apesar dos penteados da moda, vejo pelos seus olhos que tinham exactamente os mesmos sonhos e desejos que eu tenho. Naquele momento em que as suas vidas foram capturadas cristalizou-se todo o seu mundo, toda a sua época. Mas, no entanto, para eles, os fotografados, aquele era apenas e só o seu quotidiano, feito de pessoas e objectos familiares. Nada de especial lhes trouxe aquele momento. E, no entanto, volvidos não sei quantos anos, para nós, aquele pedaço de dia-a-dia torna-se precioso, como a própria vida.
Passamos tantas vezes os nossos dias a suspirar pelo que já passou ou pelo que está para vir. Poucas vezes nos detemos no momento próprio em que tudo acontece. É por isso que gosto tanto de olhar para fotografias antigas, penso eu. Para mim, aquelas imagens nunca passaram. Ainda estão a ser. Percebo agora que, quando olho para elas, não procuro tanto assim ver o Passado e como eram as coisas naquele tempo, mas muito mais sentir o Presente e a forma como ele é vivido. Como o Presente tem esta característica de ser escorregadio e difícil de segurar, estando constantemente a disfarçar-se de Passado e Futuro, a única maneira é capturá-lo em imagem. Ao olhar para aquele pedaço de Presente eterno, sou obrigada a perceber que os momentos mais especiais são aqueles dos quais muitas vezes nem nos apercebemos, porque nos são tão próximos e rotineiros, que parecem não ter interesse algum. Mas são eles que, se imortalizados em clique, poderão descrever quem somos e como vivemos.
Não são só os poucos momentos diferentes e atípicos que nos definem. É, sobretudo, a corrente dos dias que levamos e vivemos, a forma como navegamos o nosso rio, que revela a nossa essência. E ali estão os olhares vivazes e cheios de coisas para contar a mirar-nos, do outro lado da foto. Mesmo sendo tudo diferente. Mesmo sendo as roupas diferentes, os costumes, os objectos, tudo aquilo que constrói o nosso cenário. Mesmo essa diferença não é suficiente para me convencer de que entre aquela pessoa e eu não há diferença substancial.
Quando tropecei numa página que «pintava» fotos a preto e branco para as tornar mais «próximas» das cores do nosso dia-a-dia, percebi o que há muito intuía. Do mundo antigo do preto e branco para as cores vivas do Presente, o que antes era um pedaço de História passou a um pedaço de história. Uma confissão pessoal e intimista que nos conta a sua vida. Nem as roupas de época parecem tanto de época assim. No recreio de uma escola americana, em plenos anos 1960, junta-se uma multidão de raparigas e rapazes, com os livros debaixo dos braços e as lancheiras nas mãos. Conversam alegremente. Vêem-se algumas calças à boca de sino, mas percebe-se, sobretudo, que entre um intervalo grande de uma escola de há cinquenta anos e um de uma escola de agora não há roupa que distinga a essência humana que permanece inalterada, geração após geração.
Para alguns, se calhar, as fotos mostram algo que já passou. Para mim, as fotos mostram que, apesar do tempo percorrido, e das circunstâncias alteradas, a essência prevalece. Um pôr do Sol, em 1890, é tão belo quanto um pôr do Sol em 2014. Os sonhos dos meus pais, quando tinham a minha idade, não andarão muito longe dos meus sonhos de agora. Como seria se a fotografia já existisse há muitas centenas de anos? O que será que sentiria ao olhar o rosto de alguém que viveu há quatrocentos anos? Mudam-se os tempos, as vontades, os cenários e os objectos. Mas não mudam os olhares e aquilo que nos contam acerca deles e de nós mesmos.
ANA BACALHAU ESCREVE DE ACORDO COM A ANTIGA ORTOGRAFIA
[05-01-2014]