Exercícios obrigatórios

Notícias Magazine

Este Natal? Neste Natal, queria empatia. Muitas vezes, em entrevistas, perguntam-me qual a minha palavra favorita. Hesi­to, porque há tantas palavras boas. Mas decido que esta é, prova­velmente, a melhor para definir uma certa postura perante a vi­da. E digo: “empatia”. Nem “sim-“, nem “anti-“. Apenas a raiz delas todas. Empatia.

O exercício de nos colocarmos na pele do outro deveria ser daqueles obrigatórios desde o primeiro ciclo da escola. Serviria para reparar um dos males de que alguns de nós sofrem: não sa­bermos viver uns com os outros, por não entendermos os que nos rodeiam. Se ligássemos o botão da empatia e ele funcionasse, tal­vez fosse que a coisa de viver em conjunto se desse de forma mais pacífica. Perfeito, perfeito, seria que, incluindo a disciplina “Em­patia” na escola, se fossem formando gerações que viessem com esse botão integrado e a funcionar em pleno. Um dia, alguns des­ses adultos seguiriam a sua vida nas mais diversas actividades e lá estaria a empatia, a ajudar a construir diálogos, ao invés de criar barreiras inultrapassáveis.

O jeito que daria que as futuras gerações de gestores e deci­sores políticos trouxessem a empatia embutida e ligada no máxi­mo. Evitar-se-iam imensos enganos e desmandos e os amargos de boca que deles advêm para os que sofrem as suas consequências. Por exemplo, dizer que há que emigrar, ou que o desemprego é uma oportunidade para mudar de vida e, passados uns tempos, dizer que é lamentável que as pessoas se vejam obrigadas a emi­grar, ou que os números do desemprego são preocupantes revela algum tipo de mau funcionamento do botão empático. Ou com­parar cidadãos que se manifestam na Assembleia a nazis. Ou afir­mar de cátedra que aumentar o salário mínimo é muito mau para quem é pobre. Ou dizer que não se pode comer bifes todos os dias. Poderíamos incluir muitas mais afirmações que revelam uma total falta de empatia por parte de quem mais a deveria cultivar. Aliás, parece às vezes que a psicopatia é que rege as relações de uns com os outros, pela ausência de sentimentos ou pela incapa­cidade de sentir algo em relação ao que as nossas acções podem provocar no outro.

Não é um problema exclusivo do nosso país. Parece que o mundo passa hoje por uma epidemia de ausência de empatia. Historicamente, sempre que há períodos em que a falta de empa­tia se começa a generalizar, a vida começa a tornar-se mais difícil. Os valores que consideramos essenciais à nossa existência come­çam a ser desrespeitados e olhados, até, como nocivos. A corrosão da total liberdade de pensamento, acção e discurso, do acesso à saúde, à educação e à cultura, são alguns dos primeiros sintomas de que algo adoeceu na nossa sociedade. Ao não serem tomadas medidas rápidas que impeçam o seu alastramento, diz-nos a história que a coisa não corre muito bem.

Havendo uma réstia de empatia, há uma réstia de espe­rança de que algo possa ser ainda feito para se travar o mundo entorpecido e insensível que está a ser construído. Não será difí­cil, se cada um de nós fizer a sua parte. Mesmo que não saibamos bem que parte é que nos cabe fazer, basta perdermos um pouco de tempo a tentar perceber de que forma podemos contribuir para ajudar à existência do próximo. Não são precisos grandes malabarismos intelectuais ou esforços físicos hercúleos. É preci­so apenas sentir empatia e agir conforme o que sentimos. Como estamos em época de acreditar, pedia, então, que o Natal chegas­se depressa e enchesse os sapatinhos de todos com a minha pala­vra preferida.

ANA BACALHAU ESCREVE DE ACORDO COM A ANTIGA ORTOGRAFIA

[15-12-2013]