Nesta semana, a Orquestra XXI sobe aos palcos. É formada por cinquenta músicos portugueses, que vivem e trabalham noutros países europeus, mas apenas tocam juntos em Portugal.
São jovens, pertencem às mais afamadas orquestras europeias e, durante uma semana, regressam a Portugal para integrar a Orquestra XXI, atuando em várias cidades.
O regresso definitivo ao país de origem é um cenário descartado por quase todos, mas nem por isso escondem a satisfação pelo reencontro, por meia dúzia de dias, com rostos familiares há muito não vistos.
Premiada em 2013 pela Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) no âmbito do Programa FAZ – Ideias de Origem Portuguesa, a orquestra começa na próxima quinta-feira a terceira digressão, com um concerto no Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães. Segue-se a Casa da Música, no Porto, Cine–Teatro Avenida, em Castelo Branco, e Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.
Para poderem estar juntos, vieram de cidades tão distintas como Paris, Londres, São Petersburgo, Zurique, Berlim ou Leipzig, sacrificando, em muitos casos, parte das férias. «Não é fácil gerir agendas preenchidas de meia centena de músicos», diz Dinis Sousa. «Só com muito boa vontade.» Foi o jovem maestro de 26 anos que, em 2012, teve a ideia, com o compositor Manuel Durão, de formar um agrupamento que permitisse reunir os músicos portugueses na diáspora, ao mesmo tempo que contribuísse para o desenvolvimento da cultura musical portuguesa.O entusiasmo inicial esbarrou nas dificuldades de financiamento. Todas as empresas contactadas, incluindo os principais bancos e seguradoras, habitualmente mecenas deste tipo de iniciativas, declinaram o apoio, alegando… a crise. O desânimo só não se instalou porque Dinis acabou por ter conhecimento do concurso da FCG.
À seleção para a fase seguinte seguiu-se a análise de cada um dos projetos escolhidos. Para surpresa dos próprios fundadores do projeto (Dinis Sousa e os músicos Diana Ferreira, João Seara e Ricardo Gaspar), a Orquestra XXI ficou em primeiro lugar. Os 25 mil euros arrecadados foram indispensáveis para o pagamento das viagens e alojamento dos músicos, mas trouxeram outras vantagens: «Com o prémio, conseguimos chamar a atenção de várias empresas, que se mostraram interessadas em apoiar-nos.»
A primeira surpresa com que o núcleo de fundadores se deparou foi o elevado número de músicos portugueses no estrangeiro. Pela jovem orquestra já passaram 92 intérpretes, «mas muitos mais têm lugar», diz Dinis Sousa. «Cada um dos novos foi indicando outros e a lista cresceu…» Em cada digressão participam cinquenta músicos, com idades entre os 19 e os 32 anos. Os atuais vieram de dez países europeus diferentes.
A maioria completou a formação superior no país de acolhimento e acabou por inserir-se profissionalmente no ultracompetitivo meio musical local. «Há pouco mais de uma década seria impensável o atual cenário», diz Ricardo Gaspar, 23 anos. Depois de ter estudado na Escola Superior de Música de Lisboa, vencendo entretanto um prémio destinado a jovens músicos, seguiu para Londres há dois anos, onde concluiu omestrado em Londres na Royal Academy
of Music. Para este executante de violeta, a saída para o estrangeiro é inevitável «para qualquer pessoa que enverede pelo circuito da música erudita». Das várias razões possíveis, uma sobrepõe-se às restantes: «O meio é muito pequeno em Portugal. Como não há muitos seguidores, há poucas orquestras.»
Londres foi também a cidade escolhida por Pedro Segundo quando chegou a altura de decidir o que fazer assim que terminou o curso do Conservatório de Lisboa, em 2007. Apaixonado por música clássica e jazz, o percussionista de 26 anos toca no Ronnie Scott, lendário clube pelo qual já passaram vários consagrados. Pedro sabe
que um regresso às origens está fora de hipótese nos anos mais próximos. E não apenas pela exiguidade do mercado musical português. «Cheguei a Londres quando tinha apenas 18 anos. Parte do que sou já se deve a Inglaterra também», diz, ao mesmo tempo que defende que «nesta geração, somos mais aventureiros, sem medo do desconhecido e menos agarrados à clássica noção de pátria. O mundo é a nossa casa».
Adriana Ferreira, 24 anos, vive em Paris há seis. Fez a licenciatura e o mestrado em Musicologia na Sorbonne e da formação em Portugal sobram-lhe elogios, mas sempre vai admitindo que, «se tivesse continuado por cá não teria atingido o mesmo nível».
O reportório da Orquestra XXI também apresenta forte influência lusitana. É, aliás, um dos cartões-de-visita do projeto: provar que «Portugal tem compositores incríveis em todos os períodos», diz Dinis Sousa. Na digressão dos próximos dias, ao lado de obras de Purcell, Britten e Beethoven, será interpretada uma obra de Luís Antunes Pena, compositor português a viver em Leipzig. Além disso, a par da divulgação musical, os músicos gostariam de ver a orquestra atuar em localidades que, por hábito, estão à margem de iniciativas do género. «Quando estivemos no Mosteiro de Tibães, em Braga, havia público por todo o lado. Até atrás da orquestra… Foi uma emoção muito forte.»
Além da diferença na formação, Samuel Bastos aponta as discrepâncias… no salário. «A remuneração que aufiro na Suíça seria impossível em Portugal.» O oboísta efetivo da Orquestra de Zurique não adianta valores, mas garante que a legislaçãohelvética protege muito mais os músicos. Ao emigrar há oito anos, depois da formação inicial em Braga e Lisboa, Samuel tinha noção de que dificilmente voltaria a trabalhar por cá. Por isso, quando foi convidado para participar na Orquestra XXI, o «sim» foi imediato. «É uma oportunidade única de reunião de tantos músicos portugueses.»
O grupo só fica completo no último dia de agosto, data em que começam os ensaios para preparar os concertos dos próximos dias. Quando a semana intensiva de ensaios e concertos chegar ao fim e cada um seguir as suas vidas habituais, não será diferente do que já aconteceu antes: a emoção instalar–se-á entre os músicos e as juras de regresso apenas acentuarão a pertinência do projeto. Um adeus que todos desejam seja breve.