Estilo, disse ele

Não é alfaiate, garante. «Criativo» é a palavra que prefere para designar o que faz. Veríssimo Mustra é parceiro de eleição das maiores alfaiatarias do mundo e vende, na sua loja de Lisboa, a sua visão única do universo da moda masculina.

Movimenta-se com a ligeireza de um ado­lescente entre manequins, expositores, tecidos e amostras. Fala com a intensida­de de quem vive fascinado pelo que faz. Obcecado pelo detalhe, procura harmo­nia, ligeireza e qualidade no seu processo criativo. Veríssimo Mustra, de 44 anos, advoga o look total no trabalho que desenvolve com cada cliente. No seu espaço recentemente remo­delado, a Oficina Mustra, na Rua Rodrigues Sampaio, perto do Marquês de Pombal, em Lisboa, desenvolve em pleno a sua vi­são: «A forma como vejo o homem vestido.» Espalhadas por vá­rias paredes há imagens do ator Steve McQueen, de quem é fã incondicional. Depois, cores, texturas, brilhos e conjugados que conseguem agradar a todos em todas as frentes. A abordagem que faz à moda é que escolhe, por si só, os clientes. «É impossível agradar a todos, eu tenho os meus conceitos muito bem defini­dos e dirijo-me a um certo tipo de homem.»

Tudo começou há mais de 25 anos, num dia em que Veríssimo foi de passeio até à Filmoda – o certame dedicado ao estilo e às novas coleções, que decorria no pavilhão de exposições da Fei­ra Internacional de Lisboa. O seu trabalho era então muito di­ferente, num empreiteiro de obras públicas, mas deteve-se no stand da marca portuense Vicri, pegando em tudo e observan­do de perto as peças expostas. Num impulso, foi ter com o pro­prietário para lhe dizer que gostava de tudo o que estava a ver. Joaquim Pinho Vieira pressentiu o talento que o próprio Mus­tra não sabia ter. Estava a terminar o serviço militar obrigató­rio na Força Aérea e, perante a confissão de que nunca tinha tra­balhado em moda, o empresário e estilista nortenho – que ves­tiu personalidades como Robbie Williams, Hugh Grant e Bill Clinton – disse-lhe para o visitar no Porto quando terminasse a tropa, o que aconteceu logo na semana seguinte. «Foi assim que comecei a trabalhar nesta área, que nunca mais larguei.»

O ritmo ciclópico de trabalho junto de alguém que corria o mun­do para apresentar as suas coleções e que praticamente não des­cansava também o atraiu. «Depois da primeira conversa liguei pa­ra a minha mãe e disse-lhe que estava com um senhor que queria que eu fosse viver seis meses para Itália para trabalhar com ele.» De repente, estava a estudar sedas a fundo, percebia as diferenças entre fios, tecidos e padrões, adquirindo conhecimentos rapida­mente. Em pouco tempo conhecia já todo um mundo novo, de que nunca imaginara a complexidade. «Na Vicri, fazíamos os nossos próprios tecidos, e até às peças finais o trabalho era todo nosso.»
À morte do mentor, em 2005, com 41 anos, Veríssimo Mustra decidiu sair da Vicri e montar a sua própria empresa. «Comecei por trabalhar no Chiado, à porta fechada, onde cultivava uma grande exclusividade na relação com os meus clientes.». Neste tipo de negócio, a privacidade é tudo. «Só passado algum tempo descobri esta loja junto à Avenida da Liberdade e estabeleci-me com porta aberta para a rua.»

«Eu não sou alfaiate», faz questão de dizer, apesar de gostar de mexer na seda. Para logo acrescentar que em Portugal os bons são raros. «Em Lisboa ainda há alfaiates excelentes, pena que sejam cada vez menos.» Mustra tem os seus próprios alfaiates, em Nápo­les, Itália, a quem recorre para desenvolver os modelos que idealiza. «Eu sou um criativo, penso de forma livre em tecidos, padrões e conceitos.» O alfaiate é quem posteriormente faz o corte de uma peça de tecido para um fato. Tecidos leves e macios, fatos de cor­te simples, como manda a tradição napolitana. «Trabalho tam­bém para três empresas italianas, em que assumo a componente criativa», garante.

Camisaria, gravataria e alfaiataria constituem a base da oferta do dinâmico empresário. «Trabalho apenas com os melhores. Faço tudo em Como (Itália), onde vou frequentemen­te. Passei lá seis anos, só a estudar sedas.» Tem prazer em traba­lhar a partir do fio. Não é por acaso que hoje tem o à-vontade que demonstra ter. «Gosto de dizer que a minha especialidade são os fios. É a partir dos fios que fazemos tudo.» No caso de uma grava­ta, por exemplo, parte-se do fio em cru, em bruto, «fazemos a colo­ração, os desenhos, ou seja, construímos passo a passo a gravata.» O fio de seda vem todo da China e depois é transforma­do em Itália. Mustra fala de «peso, toque, consistência e qualida­de» como fatores diferenciadores, «muito especiais para o cliente português», que, garante, tem bom gosto e aprecia a qualidade.

«A minha clientela é toda dos segmentos A e B+», diz, referin­do-se ao perfil de consumidores de gama alta, com poder de compra – até porque a classe média o perdeu. Clientes portu­gueses, angolanos, brasileiros e russos frequentam as suas lojas e salas de prova. Perguntamos se os seus fatos feitos à medida são caros. «Tudo é relativo. Um fato não tem custo formado à partida.» A gama de preços é vasta e basicamente acessível. Tem contudo de haver es­paço para o luxo. «Por dois mil euros, é possível ter um fato fan­tástico.» Ou mais, mas a abordagem de Veríssimo Mustra é outra. «Eu gosto de aconselhar bem, de acordo com o gosto e as necessi­dades de cada cliente.» Uns preocupam-se com questões de dura­bilidade e longevidade, outros procuram o toque especial, exóti­co. Tecidos ingleses, mais ásperos e duráveis. Tecidos italianos, mais sedosos, leves e frescos.

Todos, sem exceção, atores, políticos, empresários, são adeptos do «total look» advogado por Veríssimo. «O que há na Oficina Mustra exprime sempre a forma como vemos o homem.» Viaja permanentemente por Milão, Paris, Londres e Japão. Fala com todas as grandes lojas no mundo inteiro. «É por isso que consigo dar aos meus clientes a garantia essencial de que eles estão bem vestidos em qualquer parte do mundo.»

«Sensibilidade: ou se tem ou não se tem.» Veríssimo garante que é isso que é necessário para trabalhar na área do vestuário. E é por isso que é valorizado. O reconhecimento internacional da sua abordagem é confirmado pelos desafios que lhe são diri­gidos para abrir negócios em vários pontos do globo. «A propos­ta mais recente veio do Cazaquistão.» Mas ele gosta de estar on­de está. «O que faço agora é criar a minha própria roupa, mar­ca Mustra, e a tendência que idealizo é que seja conhecida em todo o mundo.» Jérseis, polos, carteiras, sapatos e toda a panó­plia de acessórios.

As boas relações com bons clientes, mas também com bons fornecedores, são – e muito – responsáveis pelo sucesso do negócio. Veríssimo tem noção disso. «Só me interessa estar liga­do aos melhores e oferecer o que os melhores têm para dar.» Carlo Barbera é um deles. Criador de tecidos de alta qualidade, fornece apenas alfaiatarias e fábricas especiais topo de gama. Pertence atualmente à Kiton, porventura a mais exclusiva das casas italia­nas, segundo Veríssimo Mustra, «que faz fatos extraordinários, do melhor que se pode encontrar». O trabalho do especialista se­diado no Piemonte, perto de Milão, passou a ter a atenção das principais marcas de vestuário masculino de luxo a partir dos anos 50, no pós-guerra. Não é fácil estar nas suas boas graças, diz Mustra, mas o criador português é exceção: «Tenho uma relação de proximidade e amizade com eles.»

Veríssimo está habituado a apreciar o trabalho dos seus forne­cedores. Num dos dias em que visitámos a loja para este artigo, cruzámo-nos com os responsáveis da Dormeuil-Paris e assisti­mos a uma reunião de brainstorming. O criador analisa diretamente as fazendas pelo toque, pela composição e organização dos fios elementares, desembocando na aplicação prática a peças dos clientes habituais. Sabe do que fala. Sabe avaliar a qualidade.

Loro Piana é outro favorito da Oficina. Herdeiro da grande tradição italiana, dedica-se há noventa anos à criação de teci­dos leves, lãs e caxemiras delicadas que depois, num fato cor­tado, vão vestir na perfeição, «livre dos exageros de entretelas e termocolados industriais que encontramos por aí, mesmo em algumas marcas conhecidas». Mas há mais: Massimo Alba, re­ferência internacional; Boglioli, com «caxemiras próximas da perfeição»; Salvatore Piccolo, com fatos feitos à medida, cor­tados e produzidos à mão; Drumohr (marca de tecidos de lã bi­centenária, fornecedora das casas reais inglesa e norueguesa, predileta de Audrey Hepburn); Attolini, com cortes ligeiramen­te mais clássicos sobretudo pelas lapelas marcadas; Cifonnelli, alfaiataria parisiense com 140 anos de história; Finamore (nome maior na confeção de camisas); Rubinacci, Allegri, Moorer, Ta­gliatore, The Gigi, etc.

No calçado, a Oficina é também um porto seguro de qualidade e bom gosto. O criador português Carlos Santos, hoje de fama mun­dial, foi desde sempre aposta da casa. «É uma marca que me en­che de orgulho, pela extrema qualidade que atingiu e pela impe­cabilidade das suas abordagens.» Pellettieri di Parma, Tricker’s e Andrea Ventura são outras marcas importantes. Mas também há cintos. E gravatas. E lenços. E jeans.

No fundo, a confirmação da importância do «look total» para vestir o homem dos pés à cabeça, num único espaço. «O impor­tante para mim é continuar a servir os profissionais que sem­pre confiaram na marca Mustra», mesmo quando procuram boas relações preço-qualidade. Por isso criou o conceito Mus­tra The Store, num outro espaço, na mesma Rua Rodrigues Sampaio, onde disponibiliza as coleções descontinuadas e pe­ças diversas de vestuário e calçado. Conta para isso com a aju­da preciosa da mulher, Fátima, que trabalha bem o aspeto da proximidade com os clientes e é exímia na superação das expe­tativas de todos os que se aproximam do espaço. «Trabalhamos em conjunto, de uma forma muito especial», diz ele. A cumpli­cidade que se deseja e que constitui o tronco central de uma parceria de sucesso.