Esta semana tive de ir duas vezes ao aeroporto ao fim do dia. Ao fim do dia é quando chegam os voos das pessoas que trabalham, que têm muito que fazer lá, de onde vêm e não têm tempo para perder. Nem lá nem cá. Nunca tinha visto o aeroporto tão cheio de gente e olhem que eu, de família dividida entre continentes e frequentadora de aeroportos, décadas de partidas e chegadas, sei do que falo. Nunca tinha visto o aeroporto tão cheio. Isto é um dado passível de ser analisado por quaisquer olhos leigos, ainda mais para os olhos treinados de um repórter.
Sendo os voos os mesmos, mais coisa menos coisa, quando o aeroporto está assim cheio isso quer dizer que está a chegar gente cuja chegada tem muito significado. Gente cuja chegada se pode, até, chamar de regresso. Um regresso é um acontecimento que é preciso celebrar. Abrem-se as portas automáticas, sai uma pessoa, ouve-se o contentamento de quem o espera, cabecitas espreitando na multidão, como se àquele grupo tivesse saído o bingo. A família inteira, mais os amigos. Uma pessoa chega, por estes dias, e tem dez à sua espera. Entre os que chegam há algumas famílias, mas sobretudo homens sozinhos. E jovens, muitos jovens. Homens jovens. A quem os filhos saltam para o colo. Beijados pelas mulheres, na reta final da ansiedade, abraçados pelos pais, lágrima ao canto do olho. O corolário de semanas a contar os dias para o Natal em família. Uma verdadeira família, unida.
Aqui está o retrato fiel do Portugal contemporâneo. Este é o resultado da mais recente leva de emigração. A face visível da nossa crise. Estes são os beijos da felicidade a que se hão de seguir, depois do Natal, os da despedida. É a vida das famílias de emigrantes, pontuadas por lágrimas e com a constante da saudade. Este é o croquis real da nossa crise. A prática de todas as estatísticas teóricas, do desconcerto nos saldos migratórios – depois de anos positivo, voltou a alterar-se, com mais 40 mil pessoas a sair do que a entrar. Ao todo, em 2012, e já segundo os dados do INE, saíram 55 mil portugueses. Em 2013 vai ser pior.
Uma coisa mudou, neste país cada vez mais triste – ou ainda triste, segundo parece que rezam as nossas novas contas. Há, entre os que partem, um desejo de voltar, a sensação de estar a viver uma situação temporária. E há, entre os que ficam, os que… não se ficam. Os que vão à luta com ideias e projetos, e, além de terem a sorte de conseguir ficar, dão à sua vontade um poder transformador. Nem que seja o das ideias, que são, como se sabe, a base de tudo, da cultura à economia.
Foi com essa vontade de fazer coisas que o caracteriza que Fernando Alvim reuniu, no final da semana passada, mais de cem personalidades que desfiaram, no palco do Pavilhão do Conhecimento, ideias para Portugal, num encontro chamado «Portugal É Agora». A ideia nasceu depois do encontro das esquerdas, na Aula Magna, há umas semanas, para ser uma reunião apartidária. Como ele dizia, no mail fundador em que começou a reunir tropas, «um encontro sem partidos, em que a política profissional fique à porta, sem os aproveitamentos do costume, mas com tudo o resto. Com ideias, planos, ações, análises sobre o que está bem, sobre o que está mal e pode ser retificado, sobre o que podemos importar, exportar, criar e, sobretudo, fazer. Para sermos melhores».
Nas páginas desta revista podem ver algumas das ideias que foram deixadas, outras que estão nas redes sociais e em vídeos que se tornaram virais na internet. Na base de todo este movimento, e das mil e tantas ideias, está uma outra, basilar. Do que Portugal precisa é de muitos Alvins.
[22-12-2013]