Educar para viajar

São apaixonados, por viagens e um pelo outro. Dina Cereja e Loïc Pedras são os responsáveis do projeto Volta ao Mundo em 80 Anos, que desafia os portugueses a integrar as viagens nas rotinas de férias e fins de semana. Para ajudar, dão workshops em que ensinam a conciliar o emprego com as viagens. E até a preparar um ano inteirinho no estrangeiro.

Ela nunca teve medo de viajar so­zinha. E costuma dizer que que­ria viver trinta vidas para expe­rimentar todas as profissões que gostaria. Licenciou-se em Portugal, voltou a estudar no Brasil, trabalhou em Londres, mas entre­tanto regressou a casa. Ele tinha apenas 15 anos quando foi com um vizinho, à boleia, das Caldas da Rainha até à Áustria. Viveu na Catalunha, fez inter-rails com amigos e andou por África durante quase dois meses, num périplo de oito mil quilómetros.

Conheceram-se em Lisboa, num curso de alemão, mas podiam ter-se cruzado na Índia ou no Brasil. São «dois apaixonados por via­gens que se apaixonaram um pelo outro», resume Loïc Pedras, 31 anos. A namora­da, Dina Cereja, tem 33. Vivem na capital, apesar de Dina ser natural do Porto, que deixou há 11 anos. Loïc tem nome bretão e nasceu em Versalhes, na França. Regres­sou com os pais, emigrantes, a Portugal, para crescer nas Caldas da Rainha.

Juntos mantêm desde 2011 o projeto Volta ao Mundo em 80 Anos, que, para já, tem mo­rada apenas no Facebook (www.facebook.com/voltaaomundoem80anos). Alimentam a página com os relatos das viagens que têm feito, além de dicas, truques, conselhos úteis para viajantes. Em breve, a página vai cres­cer e passar a site. Surgiu inicialmente como plataforma de comunicação, de e para via­jantes. Mas tornou-se mais do que um repo­sitório de fotografias de destinos, paradisí­acos ou não. «Publicamos com frequência promoções de voos baratos, bons negócios de alojamento, os sabores do mundo e as experiências a não perder», explica Loïc. A evolução do projeto foi impulsionada, so­bretudo, pela receção aos workshops que têm dinamizado. Por insistência dos conheci­dos, que recorriam ao casal como enciclo­pédia, sistematizaram conhecimentos e ex­periências acumuladas em mais de uma dé­cada a rodar continentes, muitas vezes de mochila às costas. Já passaram por Itália, Turquia, Cabo Verde, Senegal, Israel, Jordâ­nia, Índia, Sri Lanka, China, Canadá, Mar­tinica, México e muito outros países. Antes, sozinhos ou com amigos. Agora, como du­pla. E, só a falar do que sabem, com estas ses­sões têm esgotado salas por todo o país.

Neste momento dedicam-se a dois workshops, cada um com uma temática distin­ta, e que decorrem normalmente ao fim de semana, porque ambos conciliam a paixão por viagens com as profissões que lhes pa­gam as contas e lhes permite, obviamente, sair do país. Primeiro, surgiu o Viajar para quem Trabalha: Equilibrar Paixão e Profissão, depois o Gap Year: Porquê e Como Organizar. Os preços por pessoa, dependendo do local do workshop, podem ir dos 15 aos 25 euros, e a agenda dos próximos eventos está dis­ponível na página do Facebook. As iniciati­vas, admitem, têm um objetivo preciso: des­mistificar uma série de ideias enraizadas na mente daqueles que raramente saem dos ca­minhos de todos os dias, menos ainda das fronteiras nacionais. Até porque, garantem, não é preciso assim tanto dinheiro para sair do país e o período de férias dá perfeitamen­te para passear e descansar.

Dina sempre foi muito expedita no que às viagens diz respeito. Filha de uma agente de viagens, ela e a mãe tinham sempre «quase tudo à porta de casa. Só faltava ir». Isto, antes de se aventurar sozinha pelo Brasil por mais de dois meses, depois de concluir a licencia­tura em Design de Comunicação. Prosseguiu estudos em Londres, teve uma oferta de em­prego para trabalhar como diretora de arte, mas ao mesmo tempo dedicou-se ao volun­tariado: trabalhou com a Greenpeace, com a BBC Children in Need e com a WWT (Wildfowl & Wetlands Trust) num centro de pre­servação de vida animal. Veio para Lisboa e hoje é consultora de comunicação, mas não esqueceu as experiências do trabalho não remunerado em prol de uma causa.

O voluntariado em viagem é, precisamen­te, a temática de um novo workshop que estão já a preparar. Uma área que abordam também no que é dedicado ao gap year, que definem como «um estágio de vida intensivo» e que já é valorizado no currículo, mesmo em Portu­gal, o país onde tirar um ano após o secun­dário, a faculdade ou entre empregos só para viajar, trabalhar, ter formação ou fazer volun­tariado no estrangeiro parece ser ainda uma excentricidade. Mas não é, garantem. «Traz muitas competências que serão depois apre­ciadas num local de trabalho, porque existe um contacto grande com outras populações. Nós damos um rol de atividades, desportivas, artísticas, culturais, de voluntariado», que po­dem ser feitas nas mais variadas geografias e pelo período que se entender. De preferência, nunca menos de um ano.

Desde que os workshops começaram já houve quem lhes comunicasse do Sudeste Asiático que tinha tirado o tal ano sabático. Ele também o fez, entre mestrados em Es­panha, antes de ter ganho o concurso pa­ra diretor técnico do Comité Olímpico de Portugal. Sempre a estudar e a trabalhar na área desportiva, candidatou-se entretanto ao doutoramento e conseguiu bolsa da Fun­dação para a Ciência e Tecnologia. É inves­tigador em política desportiva, dá aulas no ensino superior, é comentador de um canal desportivo, observador do Comité Olímpi­co. Mas não deixa viajar.

Da experiência que têm e partilham, Dina e Loïc garantem que, acima de tudo, o funda­mental é ter vontade de sair, deixar a zona de conforto e ganhar novas perspetivas. E se com eles esta urgência de conhecer países e pessoas começou cedo – Loïc ainda tem na me­mória a viagem que fez com a mãe, de com­boio, de Lisboa para Paris, teria pouco mais de 5 anos –, há quem tenha um vasto leque de desculpas para não o fazer. «Parece que é preciso sempre um empurrãozinho, vejo pe­los meus amigos», comenta Dina. «A primei­ra coisa que fazemos nos workshops é falar das razões pelas quais devemos viajar.» E enume­ram: saber distinguir o essencial do que é aces­sório, aprender e ensinar, ganhar confiança e autoestima. Não têm dúvidas: depois de qual­quer viagem, quem regressa é uma pessoa di­ferente daquela que foi.

«Queremos que as pessoas aprendam também a viajar para a vida, daí o nome de Volta ao Mundo em 80 Anos», diz Dina. Re­conhecem que o gosto de viajar não é here­ditário e que há todo um processo de tenta­tiva e erro quando alguém decide corajosa­mente fazer-se à estrada, seja pegando na mochila para acampar um fim de semana ou passar seis meses no lado oposto do mun­do. Por isso, nos workshops propõem-se cor­rigir os erros mais comuns e encurtar as ten­tativas, para que cada viagem seja melhor do que a anterior, independentemente do des­tino. Quem prefira um serviço mais perso­nalizado pode procurá-los também na Pa­pa Léguas, agência de viagens de aventu­ra e com a qual já assumiram compromisso como guias. Ainda neste ano, serão respon­sáveis por orientar um grupo de turistas na Guatemala e no Belize.

Às eternas perguntas da crise e de como é possível conciliar saldos bancários tristo­nhos e o alegre desejo de ver outras para­gens, respondem com as companhias low cost e um argumento contundente: «Vive­mos num país que deve estar entre os cin­quenta mais caros de todo o mundo. Essa é a má notícia. A boa notícia é que há uns 200 países no mundo, portanto, temos 150 países mais baratos para onde podemos viajar.»

 

nm1139_VoltaMundo02

 

OUTRAS VIAGENS NA INTERNET

WWW.ALMADEVIAJANTE.COM
Com dez anos de atividade, é um dos mais antigos sites de viagens em Portugal. O fun­dador, Filipe Morato Gomes, já deu a volta ao mundo duas vezes. Com a mulher, a jor­nalista Luísa Pinto, realizou em 2012 uma viagem de dez meses com a filha de 5 anos.

WWW.VIAJECOMIGO.COM
Jornalista há 16 anos, Su­sana Ribeiro apostou num espaço online onde dá dicas e sugestões de viagens, além de falar de gastronomia e enoturismo. Foi uma das nomeadas para Melhor Blogue de Viagens Profissional na Bolsa de Turismo de Lisboa.

WWW.DARAVOLTA.COM
Inácio Rozeira e Helena Pimentel já deram a volta à Índia em side-car. Agora acabam de chegar da América do Sul numa carrinha «pão de forma». A viagem começou em março de 2013.

WWW.TEMPODEVIAJAR.COM
André Parente já tem mais de 50 mil fãs no Facebook. O pro­jeto, lançado em 2008, conta com um site onde o fundador e editor vai divulgando crónicas de viagens, dicas e conselhos sobre destinos, alojamento e transportes em vários destinos.

WWW.JOAOLEITAO.COM/VIAGENS
João Leitão começou em Marrocos, em 2013, e está na Argentina. Vai passar por todos os continentes. À medida que sai de um país, carrega imagens e vídeos, preços de viagens, alojamentos e transportes.

WWW.VOLTAAOMUNDO.PT
O site da revista Volta ao Mundo, com dados de hotéis, reporta­gens, entrevistas, crónicas e imagens de cortar a respiração.

OS WORKSHOPS

CONCILIAR TRABALHO E VIAGENS

_ Negociar com o chefe para poder concentrar as férias

_ Ter um sistema de milhas

_ Equilibrar organização com a espontaneidade da viagem

_ Aproveitar a viagem como inspiração para inovar no trabalho

PREPARAR UM ANO SABÁTICO

_ Tomar decisões importantes ba­seadas nos estímulos das viagens

_ Viajar com tarifas especiais, como os bilhetes Volta ao Mundo

_ Experimentar e valorizar a oportunidade com atividades e aprendizagens

_ Experimentar o voluntariado

O calendário de workshops está disponível em www.facebook.com/voltaaomundoem80anos