A mulher mais poderosa do mundo da moda, Anna Wintour, fez 65 anos. Pretexto para lhe cobiçarem o cargo de diretora da Vogue norte-americana, que inspirou O Diabo Veste Prada, o best-seller de 2003 escrito por uma ex-assistente que aguentou 11 meses no lugar.
Anna Wintour, diretora da Vogue norte-americana, nascida em Londres, divorciada, dois filhos, dois milhões de dólares de salário anual, casas em Long Island e Greenwich Village, chauffer permanente em Mercedes Classe S e um dos feitios mais difíceis do universo, ganhou novo estatuto no ano passado, quando Si Newhouse, o proprietário e diretor-geral da editora Condé Nast, detentora de títulos como a Vanity Fair, a New Yorker, a Wired ou, claro, as muitas edições nacionais da Vogue, decidiu oferecer-lhe o cargo de diretora artística de todas as publicações do grupo. Mais: hoje com 86 anos, o aristocrata norte-americano passou a ocupar-se exclusivamente da Advance Publications, a holding de media que controla a Condé Nast, transferindo parte dos seus poderes para Wintour. A especulação começou, e o Diabo pode ter ascendido no império para preparar a sucessão como editora plenipotenciária da Vogue. Até porque completou recentemente 65 anos.
A palavra final pertence sempre a Si Newhouse, que apostou nela há 26 anos. Existem, pelo menos, oito candidatos ao lugar de príncipe – ou princesa, o mais provável – da mais emblemática revista de moda do mundo. Mas de onde vem a fama demoníaca de «Nuclear Wintour» (um trocadilho com «Inverno Nuclear»), esta mulher magra, escondida desde os 14 anos atrás de penteado de ingénua e de uns enormes óculos Chanel?
Desde os seus primórdios na Harper’s and Queen britânica (mais tarde Harper’s Bazaar) que Anna Wintour mete medo ao susto pelo tratamento glacial aos subordinados, a ausência de emoção no quotidiano e um perfecionismo que muitos tomam como prepotência. Talvez a culpa seja do pai, um antigo editor do Evening Standard londrino, que meteu na cabeça de Anna que o futuro da filha seria na moda. Eram os swingin’ sixties, de Mary Quant e dos Rolling Stones. Após trabalhar na emblemática boutique Biba e concluir um estágio no Harrod’s, Anna fez o que quis. Sempre namorou com homens mais velhos, e seguiu um deles, o jornalista Jon Bradshaw, até Nova Iorque (ainda namorava com Bradshaw quando conheceu Bob Marley, desaparecendo com o deus do reggae durante uma semana). Foi o gosto arrojado, original, heterodoxo nas produções de moda que a tornou célebre, e a levou até à Vogue norte-americana. Isso e a ambição: quando foi entrevistada por Grace Mirabella para um posto inferior na revista que aquela dirigia, foi posta na rua por dizer que queria um lugar, sim, mas o de editora- geral. Meses depois, Mirabella era substituída por Wintour. Estávamos em 1988. Até hoje.
Grace Coddington, uma valquíria ruiva, ex-modelo do norte proletário do País de Gales que desistiu da carreira após um grave acidente de automóvel que quase a desfigurou, agora com 73 anos, entrou para a Vogue no mesmo ano, como diretora de Arte. Se Wintour é o gelo, Coddington é o fogo. Impulsiva, sentimental, traz alguma humanidade ao círculo de gestão da revista, como demonstra o documentário The September Is- sue (R. J. Cutler, 2009), sobre o planeamento da edição de Setembro de 2007 da Vogue, a mais emblemática de todas, com 820 páginas e 2,3 quilos de peso. Já Wintour não permite que um funcionário da empresa, qualquer que ele seja, lhe dirija a palavra sem ela tomar a iniciativa. Todos os que trabalham diretamente com Wintour devem ser magros (ela acha que alguém com uns quilitos a mais traria má imagem à publicação). Tanto assistentes como jornalistas da casa vivem aterrorizados com a hipótese de apanharem o elevador ao mesmo tempo que Wintour – uma vez, um editor atreveu-se a falar com ela durante uma dessas viagens, e foi repreendido. Quando Wintour foi vista por um assistente a tropeçar no corredor, o assistente teve medo de a ir ajudar. Foi-lhe depois dito que tomara «a atitude correta» (só os humanos precisam de ajuda e caridade). Se os editores-chefe das outras publicações da especialidade requisitam lugares na primeira fila dos desfiles cruciais, Wintour exige e nisso é obedecida – lugares isolados dos seus colegas, onde não possa ser interpelada.
Na intimidade, o Diabo parece ter gostos relativamente mundanos: o livro favorito é Orgulho e Preconceito, o ator predileto é Hugh Jackman, não dispensa um episódio de Homeland – Segurança Nacional e come diariamente um hambúrguer sem pão ao almoço. Furiosa carnívora, recolocou no mapa os casacos de peles nos anos 1990, o que lhe valeu a fúria da PETA, a associação pela defesa dos animais, cujos militantes lhe atiraram uma tarte de mostarda ao rosto à entrada de um desfile parisiense da Chlóe, em 2005 – quando o mesmo lobby resolveu protestar em frente à sede de Nova Iorque da Vogue durante um jantar de Natal, Wintour ordenou que entregassem aos manifestantes um prato de rosbife. Quanto ao feitio de bradar aos céus, Wintour já respondeu, ainda com humor, que «todos os rumores sobre mim são verdadeiros».
A arrogância é permitida porque, além de a moda adorar personalidades fortes e controversas, o lugar de editora-geral da Vogue norte-americana orienta os gostos fashion e os apetites consumistas de uma atividade que gera milhares de milhões de dólares anuais – se Wintour decide colocar um casaco azul-cobalto de Oscar de la Renta na capa, podem jurar que o azul-cobalto dominará a estação. É por isso que a sucessão de Wintour é tão importante: quem a substituir terá o dedo no pulso da moda planetária.
Pelo buzz na imprensa da especialidade, os pretendentes são oito: Sarah Jessica Parker, 48 anos, agora empresária e designer de sapatos, que tem sido vista desde meados de 2013 em almoços de trabalho com Wintour, e que fontes internas à revista asseguram ser «consultada numa incrível quantidade de decisões da Vogue»; Amy Astley, uma protegida da diretora, atual responsável pela Teen Vogue, título de sucesso juvenil criado por Wintour em 2003; Robbie Myers, arquirrival do Diabo, diretora da Elle norte-americana; Carine Roitfeld, a ambiciosa diretora da Vogue francesa; Glenda Bailey, a editora da Harper’s Bazaar britânica; Linda Wells, a magnética editora-geral da Allure, título que transformou numa referência internacional na área da beleza e cosmética; o italiano Stefano Tonchi, editor da W; e Lucy Yeomans, talvez a mais forte candidata, com passado na Tatler e representante do futuro à frente da Net-a-Porter, o maior site planetário de moda.
Amy Astley é tida como capaz da necessária renovação da Vogue-mãe, acrescentando-lhe a sensibilidade das ruas e da cultura pop sem desfazer o élan da alta-costura, e está na Condé Nast há 23 anos. Tonchi é respeitadíssimo, sobretudo em Nova Iorque (antes da W, foi editor da T, a revista do The New York Times). Yeomans goza de um sólido background jornalístico, tendo dirigido a Harper’s Bazaar durante 12 anos. E Sarah Jessica-Parker, embora tenha negado, por agora, a hipótese (ninguém estava à espera que revelasse estar ansiosa pelo cargo), tem uma aura de gosto e celebridade que o império de Si Newhouse não desdenharia.
Apesar da inédita serenidade ao lado do multimilionário texano das telecomunicações Shelby Bryan – há mesmo quem diga que, nos últimos anos, já apanhou Anna a sorrir a um empregado – há poucas dúvidas de que a palavra final quanto à sucessora de Anna Wintour ao comando da Vogue será do próprio Diabo. E não o é sempre?