Do brinco ao suor, a glória

Notícias Magazine

O futebol tem estado a disputar todas as atenções. Primeiro, Eusébio morreu. A notícia era esperada há muito. Mas Eusébio era o mito vivo que nos agarrava a uma época, a uma fase da nossa his­tória, que nos recordava a nossa juventude – mesmo a que não vi­vemos, apenas vimos pela televisão. Uma parte dessa vida que queríamos preservar foi-se. E a comoção moveu-nos para junto da multidão, tornou-nos próximos uns dos outros. Como só o futebol parece conseguir fazer.

Uma semana depois, Cristiano Ronaldo ganhou a Bola de Ouro. Pela segunda vez, depois de ter estado seis vezes entre os favoritos. Foi uma vitória suada. E Ronaldo chorou, mais uma vez. Chorou, chorou, chorou. E foi outra vez um rapaz, naquele choro que não conseguia conter. Não era a superestrela mediática habituada a proteger-se das câmaras, das perguntas e das más-línguas. Era o rapaz que cresceu no e para futebol, nes­sa magia de se fazer o que se gosta. Ronaldo, o jovem – que é o que ele ainda é – que raramente deu um passo em falso, que sempre soube justificar as ações fora de campo com um rigor profissional irrepreensível, voltou a mostrar a sinceridade que o torna mesmo, mesmo especial. Normalmente, isso expressa-se pelo sorriso aberto, ou pela careta que não esconde depois de ter falha­do um golo. Mas as lágrimas também servem o mesmo efeito.

O futebol é muito importante, em Portugal e para os portu­gueses. Todos. Quem o tenta negar – ou o rejeita – ou é tonto ou é mal-intencionado. Haverá boas e más razões para que o futebol tenha essa importância. As más têm que ver com a anestesia que o futebol pode provocar, fazendo-nos esquecer os assuntos cha­mados «verdadeiramente importantes».

Mas a verdade é que as boas razões por que o futebol é tão importante para nós são mais importantes do que as más. O futebol é um dos nossos fatores críticos de sucesso. O que é que isto quer dizer? Muito simplesmente que nós somos bons naquilo que o futebol mundial valoriza. Caramba, nós somos mesmo bons. Em poucas áreas – nenhuma, atrever-me-ia a dizer – somos o que foi Eusébio ou é Ronaldo, passando por Figo, Futre e os outros todos. Temos no futebol, há longos anos, a qua­lidade como horizonte, a excelência na marca.

E isto não acontece apenas porque nascemos com jeiti­nho. Também, sim, que nisto como em todas as outras coisas, a cultura e o ambiente contam muito. O facto de jogarmos desde tenra idade, de a todos os meninos ser praticamente atirada uma bola para os pés, tem obviamente importância. Mas não chega. Acrescentámos, ao longo dos tempos, boas práticas, exigência e um enorme profissionalismo. Não somos apenas bons. Aprende­mos a ser melhores.

E Ronaldo é o nosso exemplo mais atual disso mesmo – um profissionalão que não se poupa a esforços para ser o melhor, que é sempre o primeiro a entrar e o último a sair dos treinos, que tem hoje o dobro da largura que tinha quando, aos 17 anos, ingressou no Manchester United. Foi esse profissionalismo, e perceber que tinha de se esforçar sempre, que impediu o miúdo borbulhento, de brinco na orelha e cabelo oxigenado, de se transformar num parvo. O trabalho deu-lhe consistência à arte. E ele deu-nos este enorme prazer de podermos orgulhar-nos de o ver ali, em lágrimas, a receber a Bola de Ouro. Assim seguíssemos o seu exemplo e seríamos todos um bocadinho melhores.

[19-01-2014]