A vizinhança pode ser definida e sintetizada desta forma. Dois homens falam entre si, de janela para janela.
É evidente, portanto, que a vizinhança é, em primeiro lugar, uma forma de dois corpos não estarem juntos. Isso mesmo: de não estarem juntos. Só há vizinhança com afastamento, e não o contrário, como se pensa.
Duas pessoas que vivem juntas não são vizinhas; duas pessoas que dormem na mesma cama não são vizinhas.
A vizinhança, claro, não tem metros exactos de distância imposta. Porém, quando dois corpos não têm entre si (nariz-nariz, boca-boca) mais do que, digamos, dois centímetros, então é um facto que esses dois corpos deixaram há segundos (há centímetros atrás) de ser vizinhos e estão já ou no estado de paixonite forte ou de zanga robusta. Dois corpos que fazem amor não estão em estado de vizinhança, como é evidente. Tudo é, pois, questão de distâncias. Vizinhança, excitação, amor e zanga. Fita métrica e sinal positivo ou negativo resumem estes estados. Vizinhança, amor, zanga.
A vizinhança é, por isso, definida (resumida) arquitectonicamente por duas janelas. Se dois corpos estão em duas janelas distintas então esses dois corpos são vizinhos um do outro.
No fundo, então, temos aqui dois vizinhos.
E podemos pensar num compartimento de fazer vizinhos, numa máquina de fazer vizinhos. E ela aqui está. É uma espécie de barraca, uma espécie de pequeno armazém que tem duas janelas, lado a lado. É uma máquina de fazer vizinhos. Uma máquina para treinar a boa vizinhança.
GONÇALO M. TAVARES ESCREVE DE ACORDO COM A ANTIGA ORTOGRAFIA
PUBLICADO ORIGINALMENTE NA EDIÇÃO DE 25 DE MAIO DE 2014