
As notas não são elementos materiais que a mão possa apanhar. Não se apanham notas de música como frutos – a apanha do morango, a apanha da azeitona. Não há notas sazonais. Notas mais escuras, notas mais negras, notas mais vermelhas, mais maduras, mais verdes. As notas de música não são elementos naturais.
No entanto há quem, depois de um concerto, vá recuperar do chão as notas de música que por ali ficam.
Aqui vemos a mão meticulosa que apanha uma nota, depois outra e outra. (Depois guarda-as num frasco.)
E eis, mais tarde, a desilusão: o conjunto de notas que constitui uma melodia está ali no frasco, mas não há um único som sensato que dali venha.
Se abanares o frasco de vidro só produzirás ruído, sons desastrados (como se as notas se tivessem quebrado – em dois, em três – e já não funcionassem).
O que é a música? Eis a dificuldade de definição. Não são as notas. E este respigador de notas no final do concerto percebe isso. Tem vários frascos em casa com as notas que ficaram no chão depois de um concerto. Frascos etiquetados com a indicação: Concerto #36, Concerto #78. E nada. E já vimos: quando se abana o frasco com todas as notas da sinfonia, o som que dali vem não é harmonioso, é um ruído, um erro, uma perturbação.
A música, o que é? É difícil saber, mas não são notas num frasco.