Máquina de fazer vizinhos. O procedimento é então o seguinte: dois sujeitos que não se conhecem entram para esta máquina de fazer vizinhos, para este compartimento de criação de vizinhos e chegando, então, cada um por seu pé a cada uma das janelas e colocando cada um a sua cabeçorra para fora na direcção do outro, cruzarão olhos e dirão, simplesmente: como está vizinho? Uma frase simples, mas que inicia o processo.
Este compartimento, esta Máquina de Fazer Vizinhos, deveria ser portátil para poder ser levada para o centro das cidades.
Poderia ser transportada até lá por cavalos ou outros animais de carga (como antes era transportada uma carruagem). E deveria depois ser pousada em passeio público. Mais tarde, quando dois transeuntes desconhecidos passassem neutros e indiferentes, alguém da organização do Comité da Multiplicação de Vizinhos no Mundo deveria chamá-los – ei, vocês aí! – e convidá-los a entrar nesse compartimento. Cada um dos sujeitos deveria, então, dirigir-se a uma das janelas e virar-se para o outro e apresentar-se – dizer o seu nome, profissão, hábitos e desejos. Cumprimentar-se-iam, de janela para janela, com um aperto de mão. E poderiam depois regressar à rua, retomando a vida normal, cada um avançando para uma direcção distinta, mas agora já não como dois estranhos, mas como dois vizinhos ou, pelo menos, como dois ex-vizinhos. E a Máquina de Fazer Vizinhos mais uma vez mostraria a sua eficácia.
De facto, funciona bem – esta máquina arquitectónica de fazer vizinhos! Não avaria, não tem motor, não precisa de gasolina. É um simples compartimento de quatro metros quadrados com duas janelas amplas que permitem que dois estranhos se tornem vizinhos-de-janela.
O que faz falta às grandes cidades? Muita coisa, claro. Não apenas esta máquina de multiplicar vizinhos.
(Claro, que, certamente, haverá Máquinas de Fazer Bons Vizinhos e Máquinas de Fazer Maus Vizinhos. Mas, já se sabe, nenhuma máquina é perfeita e de uso infinitamente bom.)
Gonçalo M. Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia
Publicado originalmente na edição de 1 de junho de 2014