Foi numa das mais importantes capitais do mundo que aconteceu isto. Um terramoto ligeiro que fez tremer o solo, mas nada demais, um tremelique dos pequenos. De tal forma que nenhum ser humano sentiu esse tremor ligeiro e nenhum objecto, por mais frágil, mudou de posição. Tudo manteve a sua ordem.
Os animais também não sentiram nada, excepto – e eis a grande excepção – os chimpanzés e todas as variantes de pequenos e grandes macacos que existiam naquela cidade tropical – no jardim zoológico, nas árvores, distribuídos pela cidade (pelo que restava de floresta na cidade).
Os pássaros, por exemplo, não sentiram nada – continuaram com os seus movimentos e com os seus cantos, exactamente como antes. Em nenhum animalejo existiu uma alteração de personalidade. Excepto, então, nos pequenos e médios macacos que andavam por ali.
E o que aconteceu foi isto: com esse terramoto a cabeça dos chimpanzés abanou e eles começaram, aos poucos, a balbuciar palavras humanas, bem humanas.
O terramoto terá, então, deslocado o cérebro dos chimpanzés, terá alterado a posição relativa dos dois hemisférios (ou algo assim).
O certo é que os chimpanzés começaram a falar de forma clara e, em poucos dias, começaram até a blasfemar. Como se fossem papagaios mal ensinados, mal-educados, os chimpanzés não se calavam. Diziam mal de Deus, da igreja e ainda de todas as organizações sociais dos humanos.
Começaram a insultar as cruzes religiosas e as indicações de trânsito que viam na rua.
Sempre se pensou que era melhor que os animais não falassem, e agora está muito claro porquê. De facto, os chimpanzés não estragam nada, não partem sequer um copo, mas quando falam colocam uma série de problemas irresolúveis.
Na cidade, agora, todas as pessoas esperam por um outro terramoto, semelhante ao anterior, mas de sentido inverso – que recoloque o cérebro dos chimpanzés no sítio certo e antigo. E com isso a cidade recupere a normalidade.
GONÇALO M. TAVARES ESCREVE DE ACORDO COM A ANTIGA ORTOGRAFIA
Publicado originalmente na edição de 29 de junho de 2014