Desta feita, as nossas viagens levam-nos à Europa. Mais propriamente, à Suíça e ao Luxemburgo. O voo é curto. Duas horas no ar passam num instante, quando já se ganharam as rotinas próprias de quem anda muitas vezes de avião. Só custa mais a passar o tempo quando existem ligações com muitas horas de espera em aeroportos. De resto, tudo se faz com alguma facilidade. Ou talvez seja que já se está tão acostumado a andar de avião, que não nos importa toda a maçada que isso representa. A bagagem é o ponto mais sensível da nossa viagem.
Não há qualquer tipo de facilidade concedida a quem viaja em trabalho, muito menos quando são músicos. Os instrumentos que têm de ir no porão são muitas vezes maltratados (e alguns chegam mesmo completamente destruídos) e não há sensibilidade da parte de muitas companhias aéreas quanto ao facto de existirem instrumentos que não estão preparados para ir no porão, como as guitarras clássicas ou as guitarras portuguesas, sendo os músicos obrigados a depositá-los lá, sabendo que não irão aguentar a viagem, sob pena de não poderem embarcar.
Também não há cedências em relação ao peso da bagagem de porão, o que, com o material todo que tem de se levar para se poder apresentar um espectáculo de qualidade, leva muitas vezes a que se pague excesso de carga com preços que deitam por terra a pequena margem de lucro das digressões internacionais.
Andar de avião é, portanto, um mal necessário e para o minorar vamos percebendo quais as companhias aéreas que são mais compreensivas ou que têm regras específicas para os instrumentos musicais.
Chegámos a Genebra de tarde. O tempo estava tristonho. Morrinhava e estavam cerca de 17 graus. O concerto seria no dia seguinte, num parque ao ar livre. Perguntámos ao Jacob, o promotor que nos havia contratado, se previam que chovesse na noite do concerto.
Respondeu-nos com um encolher de ombros: «Ontem choveu muito, amanhã veremos. Vamos torcer para que corra tudo bem e não chova.» Foi o que fizemos e parece que acertámos com o feitiço do tempo. Apesar de as nuvens não terem arredado pé, a temperatura estava boa e não se avistava chuva na manhã do concerto.
A vista do palco era inspiradora. No meio do parque da cidade, o verde espalhava-se até perder de vista e à nossa frente estendia-se um relvado bem cuidado e algumas cadeiras, nas quais se iriam sentar as pessoas que viriam ver-nos. O concerto estava integrado na programação do festival de Verão promovido pela cidade de Genebra. Uma boa parte do público pertencia à comunidade portuguesa. Era um público tendencialmente jovem, constituído na sua maioria por portugueses já nascidos na Suíça ou que haviam ido para lá viver muito novos e a nova vaga de emigração dos anos de austeridade. A outra parte do público não pertencia à comunidade portuguesa e foi muito bonito ver a forma como a nossa música conseguiu reunir todos os que assistiam numa imensa festa.
No dia seguinte levantámo-nos cedinho. Esperava-nos uma viagem de seis horas de carrinha até Dudelange. Seria a segunda vez que actuaríamos na cidade e a terceira no Luxemburgo. A primeira parte estava a cabo de Aline Frazão, uma jovem cantautora angolana, com canções de enorme sensibilidade e uma voz doce e delicada.
A noite terminou com um acolhimento incrível por parte do público que, talvez tentando espantar o frio (o concerto no Luxemburgo também foi ao ar livre), acabou por se levantar das cadeiras e vir para a frente do palco dançar. Duas noites perfeitas que nos deixaram um sorriso de satisfação.
Ana Bacalhau escreve de acordo com a antiga ortografia.
Publicado originalmente da 20 de julho de 2014.