Diário de Bordo: Cabo Verde e Canadá (Semana II)

Notícias Magazine

Entre a vinda de Cabo Verde e a ida para Toronto, des­pedimo-nos com um «até já. A estadia em Portugal seria curta. Du­raria apenas umas horas. O suficiente para dormir uma noite intei­ra e pouco mais. De manhã cedo, estávamos de volta ao aeroporto, de malas refeitas.

O voo para Toronto durou cerca de 7 horas. Com tantas via­gens acumuladas, costumo dizer que só custam as que demoram mais de 8 horas seguidas. Mas, na verdade, custa sempre estar ali meio espremida entre o banco da frente e o banco de trás, nem bem deitada para poder dormir nem bem sentada para poder relaxar. Foi por isso que, quando vi que ia ficar sentada na fila da saída de emer­gência, o meu sorriso alargou-se. Não é que com o meu metro e ses­senta o espaço entre bancos seja um enorme problema, mas sabe sempre bem poder espreguiçar as pernas quando se quer (e, ao fim de 4 horas de avião, é a coisa que mais se quer).

O golpe de sorte foi muitíssimo bem aproveitado e cheguei a Toronto com o jet lag sob controlo. O dia seguinte iria ser apro­veitado para conhecer um pouco a cidade de Toronto. Já lá haví­amos estado a tocar, aqui há cerca de ano e meio, mas não tínha­mos tido tempo de ver a cidade. Desta vez, com um dia inteiro de folga, aproveitámos o que pudemos.

Demos a volta clássica: logo de manhã, subimos à CN To­wer. É a segunda maior torre do mundo, com cerca de meio quiló­metro de altura. O elevador que nos leva até ao topo é feito de vidro na parte da frente. Não é aconselhável a quem sofra de vertigens que se abeire muito das suas paredes de vidro, portanto. À medida que subimos, a perspectiva vai mudando de segundo a segundo, com as pessoas que andam pelas ruas a minguar de tamanho, até que fi­cam a parecer pequenos pontos negros que se vão mexendo ao sa­bor do vento. Lá em cima, a vista é deslumbrante. Com um horizon­te que se estende muito para além do que o olho geralmente alcan­ça em patamares mais rasos, podemos ver os arranha-céus que, dali, parecem prédios com poucos andares, a pista de um pequeno aeroporto onde aterram os aviões particulares das famílias ricas de Toronto que moram nas vivendas que se espraiam em direcção ao Lago Ontário, ali mesmo ao lado.

À tarde, depois de almoço, andámos pelo centro da ci­dade. Entre os prédios altos e a zona mais baixa da cidade existem alguns bairros residenciais, mesmo no centro, onde as vivendas com alpendre e jardim se vão seguindo, de quarteirão em quartei­rão. A simpatia com que nos recebem e abordam deixa entrever uma forma de estar e de viver suficientemente descontraída para permitir gozar as coisas boas da vida e suficientemente confiante para saber que a organização traz consigo a serenidade. O Mun­dial de Futebol havia começado nesse dia e nos bares da cidade reuniam-se os adeptos das várias selecções a torcer pelas suas equipas.

O dia seguinte acordou um pouco mais frio e mais ventoso. Nada que pudesse importunar os preparativos para o concerto, inserido nas comemorações da comunidade portuguesa de To­ronto. Realizado no Downsview Park, o maior parque da cidade, fomos acolhidos com enorme carinho, por uma multidão que se dividia entre aqueles que conheciam bem as canções e aqueles que se iam deixando conquistar aos poucos pela música.
Ao contrário das superstições que rodeiam as sextas-feiras 13, o concerto correu sem sobressaltos. O pior estava ainda para se saber. O voo de regresso havia sido cancelado. Conseguiu-se lugar para seis dos sete membros da comitiva num outro voo que che­garia no domingo, conforme previsto. Como num filme de suspen­se, esperámos até ao último minuto do embarque para saber se o sétimo elemento conseguiria viajar connosco. Conseguiu.

Chegámos a casa cansados, mas felizes.

ANA BACALHAU ESCREVE DE ACORDO COM A ANTIGA ORTOGRAFIA

Publicado originalmente na edição de 29 de junho de 2014