
Cabo Verde é um daqueles países que, antes de se visitar, já se conhece. Os relatos dos que lá estiveram ou viveram contam-nos todos os pormenores acerca das pessoas, das pai-sagens, da cultura. Cabo Verde seria o primeiro PALOP onde tocaríamos. Já havíamos dado concertos em África, é certo. Em Marrocos e na África do Sul. Mas nunca em nenhum país de língua oficial portuguesa. Íamos, portanto, na maior das expectativas.
A “morabeza”, ou a amabilidade, é um dos traços mais famosos e celebrados da cultura cabo-verdiana. E, se muitas vezes, os traços que apontam aos povos são apenas estereótipos que se diluem numa realidade múltipla e complexa, este, em específico, revelou-se um traço fiel na descrição que faz de um povo que nos acolhe de forma generosa. O primeiro concerto estava marcado para a ilha de Santiago, na cidade da Praia. Chegámos lá no dia anterior. O calor húmido e ventoso varreu-nos o rosto e deixou-nos com um sorriso. Em Portugal estava frio, por isso, aquele afago quente de Verão soube-nos muito bem.
A Praia não faz jus ao seu nome. As melhores praias de Cabo Verde não moram aí. Mas a maior cidade do país não precisa de grandes areais ou de uma água do mar translúcida para fazer valer o seu interesse e charme. O motivo que nos levou aos dois concertos programados para Cabo Verde foram as comemorações do Dia de Portugal e a festa portuguesa, que se repete todos os anos, chama-se PORFESTA. No recinto, as barraquinhas com as marcas de cerveja portuguesas e o cheiro a sardinha e bifanas enganavam os mais distraídos e faziam parecer que se estava, efectivamente, em Portugal.
Entre portugueses e cabo-verdianos, a frente do palco ia-se enchendo. Quase à hora do concerto, algumas crianças iam subindo para o lado do palco e sentando-se no chão de tábuas, bem perto do estrado que sustentaria o Pedro, o Zé Pedro e o Luís.
Quando começámos, algumas das crianças iam-se aproximando timidamente, até que, já a meio do concerto, perderam a timidez e vieram sentar-se bem pertinho de mim. No final de uma canção, um rapaz levantou-se de rompante e abraçou-se a mim. De uma rajada vieram os restantes e estivemos assim, num abraço demorado, até à canção seguinte. No outro dia viajámos para o Mindelo, na ilha de São Vicente. Muitos chamam a cidade de capital cultural de Cabo Verde. É a terra de Cesária Évora, cuja memória está bem presente um pouco por toda a ilha. Tito Paris tem aí a sua renomada Casa da Morna. A música escorre pelas ruas da cidade, embalada pelo som das ondas e do vento. No mesmo dia em que viajámos tocávamos, por isso, não perdemos tempo e logo nos dirigimos ao recinto para o ensaio de som. O concerto foi também muito bonito, pelo carinho que sentimos por parte do público que, no final, ficou para falar connosco e nos dizer que tinha gostado muito da nossa música.
O dia seguinte era dia de folga e aproveitámo-lo para conhecer um pouco a ilha. Fomos à Baía das Gatas, onde não resistimos a um bom e demorado mergulho nas águas quentes. De tarde fomos conhecer o Centro Cultural Português, que faz um excelso trabalho na divulgação e promoção da língua e cultura portuguesa, e uma família de construtores de cavaquinhos cabo-verdianos. Para além da boa conversa, ainda houve tempo para uma minissessão de improvisação, que incluiu o fado Coimbra tocado ao cavaquinho e o “hino” de Cesária, Sodade.
No final, percebemos porque nos falam de Cabo Verde de forma tão intensa. E por que razão os que lá passam ficam tão enamorados que mal aguentam a espera do regresso. A viagem de volta fez escala em Lisboa. Pudemos dormir uma noite nas nossas camas antes de zarpar para o próximo destino: Toronto.
ANA BACALHAU ESCREVE DE ACORDO COM A ANTIGA ORTOGRAFIA
Publicado originalmente na edição de 22 de junho de 2014