Contra o silêncio, tagarelar

Notícias Magazine

Palavra de uma faladora inveterada em recuperação. Falar é bom, falar demais pode não ser. As coisas infelizes que já me couberam dizer, por esta terrível tendência que é a de passar mais tempo a falar do que a observar, quando me encontro acompanhada por terceiros.

Não sei porque o faço. Será tique nervoso, medo daquele silêncio constrangedor que se instala quando não há nada para dizer ou vontade indómita de comunicar? Não sei bem. O que já percebi é que, esticando o discurso, que é como quem diz, esticando a corda, pode a conversa não interessar a quem a ouve ou levar a equívocos. Por ignorância ou incúria, ao falar demais ou de algo que não se conhece em profundidade (algo que acontece precisamente a quem fala demais) acaba-se infalivelmente por dizer alguma coisa que não colhe simpatias e fica o ar pesado de desconforto.

Esta foi a primeira das razões que me levaram a querer deixar de ocupar tanto tempo a falar pelos cotovelos e a passar mais tempo a observar o que me rodeia com maior atenção e profundidade: a matemática. De tanto falar, acaba-se, mais tarde ou mais cedo, por dizer alguma coisa que não se queria dizer. Ou por se ser mal interpretado. Qualquer falador que se preze tem uma colecção de patacoadas e de argoladas que corroboram o facto matemático que dita o seguinte: quanto mais falamos, maiores são as hipóteses de dizer-mos algo errado.

Enquanto o erro, quando aplicado ao excesso de pensamento é melhor digerido por mim, o erro, aliado ao excesso de discurso já é mais dispensável. Não é que goste de pensar mal. Detesto. Há dois anos que vos escrevo a partir deste espaço e, olhando para tudo o que escrevi, há algumas coisas que estão mal formuladas, outras mal pensadas, outras mal informadas. Fruto do facto de vos escrever com regularidade e de agilizar o pensamento para que possa produzir discurso. No entanto, sabendo que houve um pensamento estruturado por trás da produção de discurso, mesmo que falhe em algumas ocasiões, fico mais apaziguada em relação a esses erros e posso justificá-los melhor.

O problema é quando o discurso se reveste de alguma superficialidade, ou, mesmo, leviandade. Às vezes, nem há maldade, mas apenas descuido ou falta de rigor. Numa profissão que obriga a que sejamos entrevistados com alguma frequência, mais tarde ou mais cedo diremos coisas das quais nos acabamos por arrepender, porque falámos sem pensar muito nelas ou porque não as explicámos a fundo e foram mal interpretadas. Esses são os erros que lamento. Aqueles que não representam o meu pensamento e aqueles que possam magoar ou melindrar outra pessoa.

Por outro lado, quem muito fala, pouco tempo tem para fazer o que quer que seja. Muito menos, para aprofundar a sua visão das coisas. Menos ainda para ouvir outras vozes. O que leva a que, rodeados apenas do nosso mundo e da nossa voz, fiquemos cada vez mais pequenos em pensamento e no discurso. Aos poucos, acabei por perceber o que estava a perder ao deixar de ouvir os outros, para me ouvir a mim. Estava a perder não só a riqueza que traz a multiplicidade de pensamentos e vozes, como, na sofreguidão de vocalizar, não me conseguia dar tempo para maturar o pensamento. Hoje, cada vez menos preciso de verbalizar aquilo que sinto ou penso. A força de um olhar ou de um silêncio são muito mais eloquentes. Claro que não abdico de uma boa conversa entre amigos de vez em quando, mas passei a descobrir o prazer que existe no acto de partilhar o silêncio com outra pessoa ou comigo mesma.

ANA BACALHAU ESCREVE DE ACORDO COM A ANTIGA ORTOGRAFIA

[01-12-2013]