Considerações invernosas acerca de coisas solares

Notícias Magazine

Chegou o sol. Só quando perdemos alguma coisa é que lhe atribuímos o justo valor que tem para nós. Andei tanto tempo na sombra, entre os pingos de chuva e a escuridão do Inverno, que só pedia que viesse o sol, por um bocadinho. Para me iluminar o ros­to e, com ele, as ideias.

Eu sei que para dar valor ao que importa é preciso viver tudo o resto. Mas o problema do Inverno é que se se demora mais do que o necessário, começa a pesar no espírito e torna difícil que ele se levante para fazer as coisas que fazia antes do frio e das provações. E é assim que me parece que andamos todos, com o espírito pesa­do por causa da água que nos cai em cima e nos vai afogando pe­lo peso que imprime em nós e nas roupas que trazemos. É que is­to anda tão sombrio, que mais parece que o Inverno contagiou tu­do o resto e lhe pegou o seu negrume.

Daí que pensei que, se fizéssemos o mesmo raciocínio pa­ra o sol, poderia ser que com o seu calor viesse a esperança e a bo­nança que há tanto se aguarda. Que, se os raios que agora nos to­cam se demorassem mais um pouco, talvez pudessem contagiar tudo à sua volta. E assim sairíamos para a rua com vontade e ale­gria. Plantaríamos sementes que a Primavera se encarregaria de fazer medrar e colheríamos os frutos depois. Dizem os meteoro­logistas de serviço que sim, que em Maio tudo se compõe, mas quer-me parecer que o Sol de que falam é daqueles artificiais, cria­dos em laboratório e nós somos, uma vez mais, as suas cobaias.

Não é bom ser-se cobaia. Fica-se a pensar por que ra­zão uns são escolhidos para testes e outros ficam a salvo de qual­quer tipo de condição atmosférica adversa. E ser cobaia dói. Injectarem-nos coisas que não sabem se nos fazem bem ou mal para depois ver o resultado é cruel e desnecessário. Não é verda­de que o que não mata, cura. É possível que o que não mate logo, mate tão devagar que parece que anda à velocidade da vida e as­sim, disfarçando-se de condição essencial, faça crer que se mor­reu de causas naturais.

Não me enganam com placebos, também. Coisas que pare­cem ser a cura, mas não o são. Quem os toma não sabe que está a to­mar açúcar com água e pensa que está a tratar do mal que o assola. Às vezes, a crença é tão grande, que os sintomas desaparecem. O problema é que não costumo aceitar tudo o que me dão com gran­de facilidade. Também me parece que um dia, mais tarde, tudo o que está mal reaparecerá, por isso, redobro os meus cuidados com o que me parece ser batotice de placebo. E promessas vãs.

Eu quero sol. Daquele verdadeiro, que serve a todos sem ex­cepção e sem distinção. Acho que é possível que ele volte a brilhar de novo. Estas coisas do clima costumam funcionar por ciclos bem definidos. Bem definidos, é como quem diz, que já nem no cli­ma podemos confiar. Este país não é para pessoas e nem o tempo nos ajuda. Nem a bonomia dos dias amenos e do clima simpático se apresenta e se faz representar. Somos vítimas da austeridade climática, que, dizem, está relacionada com as emissões de carbo­no e a poluição generalizada, que deixam o ar irrespirável.

Gostava que este sol se demorasse mais um pouco. O ideal seria que permanecesse por um longo período. Mas temo que o Inverno tenha planos de ficar por mais algum tempo.

[Publicado originalmente na edição de 16 de março de 2014]

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