
Já todos por lá passámos. Já todos demos lá um salto. Já todos nos demorámos lá mais ou menos tempo. E alguns de nós até já lá foram mais do que uma vez. Várias. Ou quando vamos a caminho de outro sítio qualquer e temos de nos desviar do percurso, ou quando vamos lá diretamente, sem paragens ou escalas. Sim, o riacho onde vivem os sapos que temos de engolir de vez em quando pode ser um sítio muito concorrido.
O que vale é que, quando se trata de relações, achamos sempre que os sapos que temos de engolir são por uma boa causa. Aliás, são, normalmente, «pelo melhor dos motivos». E invocamos palavrões como «felicidade», «vida a dois», «convivência» ou «futuro sonhado» para justificar por que raio voltámos nós atrás com aquela decisão tomada há tanto tempo. Não raras vezes, a razão «filhos» também costuma ser invocada como motivo para engolir um sapo ou outro. Bem medidos os argumentos, esta é capaz de ser a mais nobre das razões para dar o dito por não dito, mas todos sabemos que nem sempre isso é suficiente para aguentar uma relação.
Atenção: não há mal nenhum em engolir sapos. Faz parte do nosso processo de aprendizagem voltar atrás com o que dissemos, baixar a bola quando temos de dar razão a alguém de quem não gostamos ou acabar por fazer exa-ta-mente! o que sempre dissemos que jamais faríamos. O que se passa é que, acredito, é mesmo aqui que talvez resida o motivo para tanto sapo. Em palavras como «jamais». Ou «nunca». E «sempre», também. Quanto mais agarrados estivermos a princípios inabaláveis, daqueles de que não abrimos mão nem que a vaca tussa, mais facilmente nos pomos a jeito para deglutir batráquios.
Note-se que a questão não está nos princípios. Nos valores. Nos escrúpulos. A questão está no facto de sermos muito casmurros e acharmos que aqueles princípios em particular são tão, tão firmes, que não seríamos capazes de abdicar deles. Erro! Se, em nome de alguma coisa maior ou mais importante num dado momento tivermos de abdicar disto ou daquilo, abdicamos e ponto final. Nos momentos-chave, quando somos confrontados com situações complicadas, das que causam mossa, das que nos fazem chorar, pensar, telefonar à mãe, ao pai ou ao melhor amigo, se acreditamos que dar um ou dois (ou dez) passos atrás é o caminho mais direto para a nossa tranquilidade, então só temos é de nos pôr ao caminho. E mais nada.
Exemplos clássicos? «Eu era incapaz de desculpar uma traição.» Pois sim. Sempre acharam isso, até ao dia em que… perdoaram. Não foi uma decisão fácil de tomar, mas tomaram-na. E viveram com as consequências disso. Com dúvidas e incertezas, pois claro, mas lá concluíram que valia a pena. «Eu era incapaz de trair.» Bom, este é ainda mais fácil. Era tanta a certeza de que jamais o fariam, que no dia em que o fizeram nem sabiam bem por que carga de água não o fizeram antes. Querem outros? «Eu nunca iria para a cama com o meu marido e outra mulher.» «Não era capaz de me envolver com um homem mais novo.» «Casar outra vez? Eu?!» «Jamais viveria com uma mulher que me sustentasse.» «Não era capaz de ter uma relação à distância.»
As certezas absolutas são tão perigosas como rasteiras. E a gestão dos nossos afetos já obriga a tantos golpes de cintura, que mais vale não criarmos tantas regras para nós próprios. Para não termos de passar a vida a infringi-las. E a engolir sapos.
[24-11-2013]