
Eu hoje devia escrever sobre vida saudável. É esse o tema que faz capa deste especial da Notícias Magazine. E é um tema tão completamente atual… Não devo estar sozinha na constatação de que a saúde se tem tornado uma obsessão – pelo menos da classe média. Foi como se a crise nos tivesse encostado todos ao último reduto da nossa riqueza, a vida, a saúde. Como se, tendo sido desapossados, aos poucos, de tudo o que era supérfluo, ficássemos reduzidos aos nossos organismos vivos, ossos, músculos, órgãos.
Isto, claro, são sociologias de crónica de revista. O que é visível – e a olho nu nem sequer é preciso ser jornalista para o perceber – é que todos estamos rodeados de runners quase profissionais, caminhantes obsessivos, ciclistas furiosos, contadores de calorias, inimigos dos hidratos de carbono, comedores de sementes e outros alimentos superinteligentes… Todos exibindo saúde, enchendo pistas de atletismo e ciclovias, circuitos de manutenção e supermercados biológicos.
A tendência não nos irá deixar tão breve. E não esperem os menos otimistas que quando voltar a prosperidade nos vamos todos afogar em calorias vazias de refrigerantes, em sobremesas oxidantes ou em bebidas que nos fazem explodir o fígado. Não, isto veio para ficar – e a prova disso é que até nos mais finórios restaurantes aí estão eles, os fanáticos da saúde, a pedir que a comida que deve fundamentalmente ser boa no palato seja também fantástica para o organismo, como contam os chefs da reportagem desta semana.
Mas não era sobre isto que eu queria escrever. O que eu queria falar era de outro tipo de saúde, essa dita mental. Soube-se esta semana que a enorme campanha que se seguiu ao gesto fantástico do jogador do Barcelona Dani Alves – aquele em que ele pegou na banana que lhe tinha sido atirada como insulto racista e a comeu – tem por base um projeto de uma agência de publicidade. A campanha tinha sido lançada pelo também jogador do Barcelona Neymar, e chamava-se #somostodosmacacos, e incendiou as redes sociais.
Tudo terá começado num episódio anterior, semelhante, num jogo contra o Espanyol, quando Neymar e Dani foram insultados da mesma forma – são ambos negros e ambos brasileiros. Neymar não viu a banana lançada, mas disse a Dani que se a tivesse visto tê-la-ia comido. O ímpeto ficou-lhe e Neymar e o pai acabaram por abordar a agência de publicidade Loducca pedindo que fizesse uma campanha contra o racismo nos campos. Assim foi criado o movimento #somostodosmacacos. Pequeno aparte: haverá lugar mais estúpido para ser racista do que um campo de futebol, onde o talento é tão evidentemente indiferente à cor, raça, credo ou ideologia? Era suposto Neymar comer a banana, mas acabou por ser Dani a fazê-lo e a campanha foi para o ar, com o sururu mediático que se conhece.
A agência em questão não pretendia vender nada a não ser, claro, uma ideia. Mas como uma agência de publicidade é um negócio, o seu objetivo é sempre e muito naturalmente comercial, que mais não seja ficar conhecida por ter feito uma campanha com esta dimensão em que não tinha nada para vender. Sinal dos tempos foi o facto de Neymar ter ido ao encontro de uma agência e não de nenhum partido ou organização política ou ideológica. Talvez porque soubesse que era mais eficaz assim. A mim, isto preocupa-me. Dá-me arrepios que estejamos num ambiente onde a mensagem publicitária é omnipresente, nas boas e nas más causas, vendendo tudo como sabonetes. Mas isto sou eu. Se calhar, às vezes, o meu mundo não é bem deste reino.
[Publicado originalmente na edição de 4 de maio de 2014]