Apologia do saber trivial

Notícias Magazine

Sabe por que nome ficou conhecido Farrokh Bulsara? Fácil, não? Coisa para um nível baixo do Trivial Pursuit, para andar em frente depois de ter respondido com rapidez que é o Freddy Mercury. Mas, e se lhe perguntarem qual a capital de La Rioja? Ah! Não sabe, certo? Pois é a cidade espanhola de Logroño e é também uma das perguntas do quizz de que falamos na edição desta semana. Ah… o leitor também não sabe o que é um quizz? Pois é mesmo para isso que cá estamos. O quizz é a última tendência contemporânea de que lhe vamos dar conta, como é nosso hábito. E esta, mesmo assim, valha a verdade, não é assim tão nova. Já lhe chegamos com algum atraso.

O quizz – conjunto de perguntas, literalmente – é a tendência urbana que reúne maluquinhos do saber trivial em associações recreativas mais ou menos sonolentas e que se incendeiam nas noites longas destes concursos de perguntas e respostas organizados informalmente. É disso que fala o repórter João Mestre – ele próprio frequentador assíduo, como aliás outros membros da nossa redação, razão por que chegámos ao fenóme­no. A organização funciona de modo mais ou menos informal – há um dia fixo e toda a gente que quiser participar, participa. Mas a verdade é que há vários grupos organizados há muito e que se juntaram pelos conhecimentos complementares que transportam.

O quizz representa uma espécie de rede social analógica onde as pessoas se reúnem em carne e osso para debater ideias. Mesmo que seja à volta da diferença entre uma feijoca e um feijão – e há, pelos vistos, tanto para dizer sobre este assunto que, segun­do o João, pode dar azo a discussões que acabam quase à panca­da. Isto para já não falar em questões sobre poetas-italianos-que–sobrevoaram-Viena-para-lançar-propaganda ou quem foi a figu­ra que deu capa à revista Blitz na sua primeira edição.

São discussões espúrias, diz o caro leitor, não levam a nada… Pois, não é assim. Numa época em que o saber está pelas ruas da amargura – e até é, por vezes, desconsiderado para as gerações mais novas, já que está à distância de um clique no Goo­gle – é importante que haja grupos de pessoas que se movem na busca do conhecimento… Mesmo que este seja um conhecimento trivial, ao estilo dos concursos televisivos, na senda do próprio Trivial Pursuit. A verdade é que há história, geografia & viagens, ciências, desporto e artes & espetáculos como temas habituais. Mas também há perguntas sobre direito internacional, veículos blindados da Segunda Guerra Mundial ou estações de metro de todo o mundo também podem aparecer.

A verdade é que nem sequer é essa diferença entre saberes que é fulcral. O que é importante é o que move quem frequenta estes concursos de bairro: repito, a vontade de saber mais, a curiosidade. E a curiosidade é o motor de todas as grandes evoluções, da huma­nidade, em geral, e de cada um dos homens, individualmente e em particular. Ainda que os quizzers tenham chegado a estes concursos pelas cervejas mini a um euro e o convívio com os amigos, a verda­de é que saem destas sessões mais sabedores, ou, até, mais conscien­tes do que não sabem. E isso, a par da curiosidade, é a ignição de to­do o conhecimento. Ou seja, os quizzes de que falamos nesta edição podem ser um melhor simulador de formas interessantes de ensino/aprendizagem do que milhares de teorias pedagógicas.

[Publicado originalmente na edição de 11 de maio de 2014]