
Quando Amália morreu o depoimento que na altura mais impressionou foi o de Eusébio. Ele disse, simplesmente: “Estive a chorar, estou a chorar, vou continuar a chorar.”
Uma síntese que se concentra numa única acção – chorar – tudo o resto era supérfluo; e depois essa acção como estando ainda no meio – uma interminável tristeza; passado, presente e os dias seguintes – o que há a fazer? Nada, senão isto: chorar. Como se alguém dissesse esta frase, meio absurda (uma forma inútil de protesto ou de reivindicação): enquanto ela estiver morta continuaremos tristes.
No dia da morte de Eusébio, num programa de televisão, fizeram coincidir imagens dos golos e arranques de Eusébio com um fado de Amália. E o fado tem isto, como se fosse uma substância química libertada por certos sons: podemos estar a pensar em objectos de carpintaria ou no planeta Marte, mas, de súbito, em dois segundos, deixa de haver outro pensamento senão o da morte. O fado substitui séculos de conselhos de filósofos que repetiam: não te esqueças que também vais morrer.
O impressionante, então, no som do fado por cima dos arranques de Eusébio era o que daí vinha, a sensação de uma grande alegria debaixo dos sons tristes. Ficarias alegre se te concentrasses apenas no que os olhos recebiam – os saltos eufóricos de Eusébio a festejar um golo – e ficarias triste se esquecesses o que vias e passasses apenas a ouvir. Ver a alegria e ouvir a tristeza.
Claro que é uma síntese excessiva, claro que é muito redutor, claro que é simplista, mas, de certa maneira, com a morte de Amália, e agora com a morte de Eusébio, morreram a nossa melhor alegria e a nossa melhor tristeza.
Em tempos, morreu a mulher que sabia fazer tristeza e agora morreu o homem que sabia fazer alegria.
GONÇALO M. TAVARES ESCREVE DE ACORDO COM A ANTIGA ORTOGRAFIA
[12-01-2014]