
Personalizar uma moto ao ponto de ela se tornar um objeto único de design. Apostar numa estética clássica, e depois modernizá-la. É isto que fazem Luís Correia e Rui Alexandre, criadores da Maria Motorcycles. Motos transformadas em Portugal, que estão a dar cartas no mundo inteiro.
A oficina tem metade das paredes forradas a contraplacado e a outra metade pintada de branco. Há um sofá vermelho e uma bicicleta antiga, uma pasteleira que em tempos foi vermelha, uma Yé-Yé. Há um candeeiro de pé e, no canto diametralmente oposto, há ferramentas de todos os feitios. Seis motorizadas ocupam o centro da garagem e estão em fases diferentes de transformação. Por cima de uma bancada de trabalho um relógio que também é calendário marca o dia 16 de janeiro de 2014. «Acabou a pilha há meses e ainda não a substituí», diz Luís Correia, 40 anos, fundador e chefe de mecânica da empresa. «Temos tido tanto trabalho que não consigo tratar de nada que não sejam motos.»
Em boa verdade, a sede da Maria Motorcycles, no bairro lisboeta de Alcântara, é um misto de atelier, showroom e oficina. É ali que as motos criadas por Luís e Rui Alexandre, 42 anos, ganham forma. «Andar com uma moto de origem é uma vergonha», defende Rui. «É como uma mulher chegar a uma festa e encontrar outra com o mesmo vestido.» A personalização dos veículos, já se vê, é o negócio destes rapazes. E eles têm dado nas vistas, dentro e fora de portas.
A Maria Motorcycles é o prato forte da Maria Riding Company: transformação de motos. Mas a empresa também faz pranchas de surf (têm dois modelos desenhados por Rui) e algumas peças de roupa. «Aquilo em que estamos a trabalhar é num conceito», explica Luís. «Temos uma estética clássica que tem que ver com motores, mas também com música, por exemplo.» Nos planos estão a produção de capacetes e guitarras elétricas. Sempre na mesma linha, que é simultaneamente retro, rockabilly e o espírito do asfalto. «Não gostamos de motards, gostamos é de motos», diz Rui.
Uma moto pode demorar dois anos ou dois meses a restaurar, tudo depende do tempo que demora definir uma ideia, encontrar os materiais e as peças, instalar tudo. Pode custar entre dez e trinta mil euros. Há, no canto da oficina, uma moto que está por acabar há dois anos, desde que os rapazes abriram a companhia. «É uma Kawasaki que queremos tornar mais robusta», segue Luís. Todas as motos ganham novo nome a partir do momento em que começam a ser transformadas, e esta foi batizada de Brutus.
Foi um acidente, a formação da Maria Motorcycles. «Havia um grupo de amigos e todos gostávamos de duas rodas. Falávamos em constituir um gang de motos customizadas», começa Rui. Depois Luís encontrou um achado. «Vi num site à venda uma Yamaha XS 650, no Norte do país, e fui lá buscá-la.» Era um clássico de 1980, uma moto mítica e rara. Foi transformada peça por peça até se transformar em Eva, que é um nome profético para uma primeira obra. Toda alterada, em tons de branco e dourado. «Fizemos boas fotos e comunicámos a Eva para as revistas da especialidade do mundo inteiro», conta Luís. «Tivemos uma cobertura mediática que nunca esperámos e, a partir daí, as encomendas começaram a aparecer.»
Foi em 2012 que fundaram a empresa, na altura eram quatro amigos ao leme. «Quando as coisas começaram a apertar, tivemos de decidir se o nosso hobby se ia tornar ou não na nossa atividade principal», conta Rui. «Eu e o Luís ficámos.» Rui fazia ilustração e design gráfico, Luís trabalhava sobretudo para publicidade, em fotografia e, também, em design. «Isso foi muito útil para começarmos a ser falados e dar nas vistas.» A criatividade estava lá, as ferramentas para a divulgar eles já as tinham.
O minimalismo é uma das imagens de marca. A outra é a assinatura da companhia: «Maria» fica escrito de uma forma sempre diferente em cada obra. «Neste momento temos seis motos a serem trabalhadas, em diferentes fases do processo. Gostávamos de ter algumas para apresentar, mas assim que acabamos um trabalho vendemo-lo.» Tentaram aguentar a Eva durante uns meses, mas em 2013 um colecionador canadiano comprou-a. «E já perdi a cabeça às Triumphs que mudámos», segue Rui. E depois zomba: «Só nos recusamos a trabalhar com baixas cilindradas. Personalizar uma Zundapp, uma Casal Boss ou uma LC sairia demasiado caro para o valor da máquina. Além de que o nosso mundo são as motos de homem, não de meninos.»
O ano passado, a Maria Motorcycles entrou definitivamente no mapa-mundo das motos customizadas. A maior autoridade mundial na matéria, um neozelandês chamado Chris Hunter, estava a fazer um livro sobre as melhores transformações do globo e decidiu incluir um exemplo português. The Ride é mais do que um livro sobre a arte de personalizar máquinas de duas rodas, é uma bíblia. E no meio daquelas páginas aparece «uma Ducati desinteressante dos anos noventa, que demorámos sete meses a transformar». Despiram a moto completamente, cortaram a traseira e criaram um monolugar, e deram-lhe uma alma que eles chamam de old school, ou «velha guarda». É a Italian Snipper.
O objetivo de Luís Correia e Rui Alexandre é devolver às motos o espírito das motos. Ambos são apaixonados pelas duas rodas desde que eram miúdos, e é por isso que aqui estão. Rui, que tem uma banda de metal chamada The Temple (acabaram de gravar o segundo álbum em Londres) sente que a vida da Maria é isso mesmo, rock’n’roll. «Só faz sentido fazermos isto enquanto nos der gozo», diz ele. E isso não é só pelas motos, é também pela maneira como trabalham. Dizem que os mecânicos, estofadores e pintores com quem colaboram são selecionados por serem competentes, sim, mas também por serem «gajos porreiros». Isso é essencial? «Não podia ser de outra maneira», confirma Rui. «Se abandonámos a vida profissional, que antes nos dominava, para nos dedicarmos àquilo que realmente gostamos, então já podemos escolher o que é bom para nós. E é muito bom para nós não termos de aturar filhos da puta.»
[Publicado originalmente na edição de 16 de março de 2014]