A febre do eu

O que é que a moda das selfies diz sobre nós? Que somos egoístas. Vivemos de aparências e muito auto-centrados? Quem estuda o fenómeno diz que é ao contrário – que tentamos contrariar o vazio que sentimos com o reconhecimento dos outros. E isso é também sintoma de que todos somos um pouco narcisistas.

Viagem de carro em que não possa olhar-se ao es­pelho é uma provação para Cláudia Borges (na foto), pro­fessora de Inglês, 27 anos. Não é uma mulher ar­rogante e cheia de si, distante do mundo que a rodeia. Muito menos passa por cima dos outros em busca de glória pessoal. Mas fica doente se não vir com os próprios olhos que a pele conti­nua sedosa, o cabelo brilhante, as rugas ausen­tes – o rosto tão perfeito como quando se olhou pela última vez, ao sair de casa. E na hipótese de poder esquecer aqueles traços mais tarde, tira selfies com o iPad e publica-as no Facebook, dezenas de­las, de todos os ângulos, para ver a evolução e constatar como era bo­nita no passado. Os especialistas falam numa «febre do eu» decor­rente da valorização do indivíduo pela sociedade atual. Uma espé­cie de narcisismo dos tempos modernos que está na moda.

«Mudaram-se os sistemas políticos, os pilares morais, os valores sociais, as estruturas familiares e, inevitavelmente, o próprio indi­víduo. Faz sentido analisar o fenómeno de uma perspetiva de conti­nuidade, em que certas mudanças que têm vindo a ocorrer no último século se espelham com maior intensidade nas gerações recentes», explica o psicólogo clínico Filipe Leão Miranda. O medo de o ser hu­mano se sentir insignificante promove a procura dos 15 minutos de fama a que todos teríamos direito um dia, conforme preconizou o artista de pop art Andy Warhol. «A questão da fama é um velho pro­blema, que se aproxima tanto do narcisismo como da imortalidade. Desde a Grécia Antiga que a procura de glória se assumiu como uma possível resposta à finitude do homem.»

Cláudia reconhece que o medo extremo de ver o rosto envelhecer pode refletir essa angústia de deixar de existir tal como se conhece: uma jovem luminosa e resiliente, com uma relação estável, muito di­ferente da menina que cresceu sem pai e nunca se libertou da sensa­ção de abandono. «Não sou vaidosa com mais nada, só com a minha cara. Sou muito perfecionista, insegura em igual dose e tenho pâni­co de ser trocada por outra mulher mais jovem e bonita – o meu na­morado que o diga!» Perder as referências seria o pior que lhe podia acontecer nesta fase da vida, em que ficou sem o avô e se sente à de­riva. Daí ancorar-se tanto na opinião dos outros. «Tranquiliza-me muito partilhar os meus estados de espírito com as pessoas, ler os co­mentários e saber que gostam do que veem», diz.

Filipe Miranda acredita que este sentimento generalizado de que somos incompletos – aquilo a que o filósofo Gilles Lipo­vetsky já nos anos 1980 chamava «a era do vazio» – traduz-se nu­ma «deceção profunda que tentamos contrariar com a busca de reconhecimento». O desenvolvimento (e intensidade) do narci­sismo decorre de questões temperamentais, relacionais e sociais, e tem tanto um potencial de construção como de destruição. «Num narcisismo saudável, a perceção de falta potencia a procura do outro como diferente de si mesmo», explica o psicólogo. No narcisismo deficitário, resultará numa procura dos outros para benefício próprio, razão por que as relações se tornam insatisfatórias. Em última análise, é algo comum a todos os sujeitos, com as redes sociais a servirem muitas vezes de montras para a vida privada. «Nesse caso assumem um caráter de espelho, que procura responder à eterna questão “há alguém mais belo do que eu?”. A valorização pessoal acaba intimamente ligada ao número de partilhas alcançadas.»

Cláudia Borges não reconhece em si as caraterísticas piores do narci­sismo – egoísmo desmesurado, sentimentos de superioridade, arrogân­cia –, mas revê-se nesta busca de afirmação de cada vez que põe online mais uma foto sua, previamente limpa num programa que apaga as im­perfeições: «Tinha uns 17 anos quando comecei a postar no MySpace e no Hi5, não me lembro quantos tinha quando passei para o Facebook, e vivi tempos em que punha toda a minha vida nas redes sociais», conta, ciente de que a idade a ajudou a moderar um pouco esta tendência para a exposição. «Hoje assusta-me ver miúdos pequenos com iPhone e tablets, a falar em chats em vez de conviverem pessoalmente. Mas depois recor­do-me de que também eu fui assim: fotos de meia em meia hora, desa­bafos e o meu coração aberto a quem quisesse comentar ou fazer like.»

Num ponto em que se podia correr o risco de pensar que o narcisismo é coisa de miúdos a quem tudo cai do céu – como sugerem alguns estudos que revelam um aumento do narcisismo entre os jovens americanos nos últimos 15 anos –, o psicoterapeuta brasileiro Caio Feijó recusa visões re­dutoras e tendenciosas: trata-se de um fenómeno descrito em várias ge­rações, com propensão para agarrar os que passam a vida na internet e tentam encontrar-se nos olhos dos outros. O facto de serem os mais no­vos os principais afetados deve-se menos a uma questão de fraqueza e mais ao impacte dos media na cultura juvenil atual, privilegiando os atributos físicos, a vivência das novas tecnologias e o culto às celebridades.

«Ninguém nasce narcisista. Este é um comportamento aprendi­do, muitas vezes logo nos primeiros anos de vida», aponta o especia­lista em desenvolvimento pessoal, autor do livro Pais Competentes, Filhos Brilhantes. «Uma criança que berra quando quer algo e é pron­tamente atendida acaba por aprender que é o centro das atenções e desenvolve comportamentos arrogantes em ambientes onde não é tratada como rei ou rainha, como a escola.» Cabe aos pais percebe­rem a importância de gerirem as expetativas dos filhos, sem os su­perprotegerem nem criticarem demasiado. «Adultos inseguros, ou com excesso de autoestima, ou a sentirem-se tão culpados que não impõem limites serão os modelos que os pequenos vão imitar. Ter amor-próprio é essencial para o equilíbrio psicológico, quando do­seado com critério e respeitando as diferenças.»

Foi em novembro de 2013 que o Dicionário Oxford nomeou sel­fie a palavra do ano, após um aumento do uso do termo em 17 mil por cento. A palavra terá sido usada a primeira vez em 2002, para defi­nir os autorretratos tirados com telemóveis e publicados nas redes sociais, e disparou rumo à notoriedade no ano passado, democra­ticamente partilhada por jovens, adultos e celebridades diversas: a socialite Kim Kardashian tornou-se rainha das selfies ao postar fo­tos suas na piscina, ao acordar, no elevador e em fatos de licra que deixam pouco à imaginação; em março deste ano, a apresentadora Ellen DeGeneres fotografou-se rodeada de estrelas de Hollywood, na cerimónia dos Óscares, e a selfie entrou para a história como a mais partilhada no Twitter em menos de uma hora, ao superar um milhão de tweets; o cantor canadiano Justin Bieber publica fotos su­as para cumprimentar os fãs (quase sempre em tronco nu) e até o Pa­pa Francisco e o presidente dos EUA, Barack Obama, deram que fa­lar ao participarem em selfies.

Em Portugal, um autorretrato que tinha tudo para ser um êxito nas redes sociais – o de um casal polaco atraente e bem-sucedido a passear em família, com o mar enfurecido do cabo da Roca em pano de fundo – acabou em tragédia quando Michal e Hania Mackowiak passaram as barreiras de segurança que os separavam do precipí­cio e caíram no vazio, deixando dois filhos de 5 e 6 anos em choque diante da morte dos pais. Breanna Mitchell, do Alabama, protagoni­zou outra selfie infeliz ao fotografar-se a rir no antigo campo de con­centração de Auschwitz (a jovem estava simplesmente feliz por visi­tar o local que tinha estudado com o falecido pai, mas desde aí que é insultada e ameaçada de morte). O mexicano Óscar Otero, estudan­te de Medicina Veterinária de 21 anos, matou-se com um tiro na ca­beça sem querer ao tentar fazer, bêbedo, uma selfie com uma arma apontada à cabeça.

«Não penso que tenha havido um aumento de narcisismo, mas sim um aumento da exposição pública de algumas formas de narci­sismo», defende a socióloga Rita Espanha, considerando que nessa exposição, muitas vezes, estamos apenas a ver autoapresentação e formação de identidade. «Acontece é que, por serem mais públicos, adquirem um estatuto mais depreciativo do que teriam num grupo restrito.» O seu trabalho como investigadora em Ciências da Comunicação no ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa também lhe diz que vivemos numa era em que podemos ser individualistas e comunitários ao mesmo tempo, qualquer que seja a idade, pelo que fica difícil estabelecer um padrão de uso das redes sociais. «Encontraremos pessoas que procuram umas coisas e outras que procuram outras, e as mesmas pessoas procurarão coisas distintas em momentos diferentes. Todos buscamos felicidade e reconhecimento nas várias esferas das nossas vidas, o mesmo sucede nas redes sociais.»

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Ana Filipa Rego (na foto) não procurava nada em concreto quando criou con­ta no Facebook, mas rendeu-se ao perceber que era uma tela prepara­da para os seus rabiscos, como gosta de chamar aos posts que lhe assina­lam o início dos dias. «Aos poucos equilibrei-o com aquilo que sou, foi uma forma que arranjei de complementar a minha personalidade a to­dos os níveis. Hoje, o meu mural sou eu», garante a assessora de impren­sa da Fundação Francisco Manuel dos Santos, 34 anos. Mostrar-se não a assusta a partir do momento em que sente que tudo aquilo faz parte de si. Faz-lhe sentido usar selfies para se expressar, sempre acompanhadas por uma citação do momento que está a viver, e conseguir sintonizar es­sa imagem dela com o que pensa e transmite aos outros.

«Claro que é uma exposição, mas deliberada, ponderada e sincera. É complementar à minha vida», justifica a ex-jornalista do Jornal de Negócios, que costumava dizer que preferia a câmara à máquina foto­gráfica (quando fazia diretos para a televisão) por se sentir mais ela. A selfie veio reconciliá-la com a fotografia: «Ali sou só eu e o meu inte­rior. Não deixa de ser narcisista, mas sou muito mais natural e é uma forma de mostrar o meu eu e os meus sentimentos.» Sem descurar o perigo das redes sociais para as crianças, adolescentes e até para os adultos que tentam suprimir carências e encontrar vida lá, a ela de­ram-lhe alcance de expressão. «No meio de um mundo tão virado pa­ra o exterior, admito que se confunda com um ato banal e oco – a au­toestima e o narcisismo facilmente são tomados pela mesma coisa. Mas não me incomoda perante a posição que encontrei por aqui, como pessoa genuína e inteira que sou.»

Conta a mitologia grega que Narciso, dono de excecional beleza, desprezou todas as ninfas que por ele se apaixonavam por não julgar nenhuma merecedora do seu amor. A maldição de Némesis, deusa da vingança, tardou, mas não falhou: que também ele vivesse um amor impossível como o delas. Ao inclinar-se para beber água de uma fon­te, um dia em que voltava da caça, Narciso apaixonou-se pela sua própria imagem refletida e ali definhou, dia após dia, tentando abra­çar aquele ser que se turvava de cada vez que ele mergulhava os bra­ços na água para alcançá-lo. É esta embriaguez com o ego que inspi­ra a teoria freudiana do narcisismo e que a sociedade moderna pare­ce ter recuperado, ao valorizar a aparência quase como a única coisa de que precisamos para estar bem aos olhos dos outros.
«A minha prática clínica de 15 anos mostra-me que as pessoas vi­vem num vazio enorme do eu, numa apatia que as faz preencher o ego com o outro, e encontraram nas redes sociais um modo fácil e vi­ciante de o conseguirem. Daí a necessidade de postarem fotos e co­mentários, esperando para ver quantos likes irão ter», sublinha Bár­bara Ramos Dias, lifecoacher e terapeuta emocional na Bioterapias. «Ali constroem a sua identidade, podem fazer de conta, ser quem quiserem sem punição, ter outra cara.» A quantidade e a qualidade da exposição têm que ver com a estrutura da personalidade e os pa­drões de comportamento de cada um. Regra geral, diz, «quanto mais a pessoa se expõe, mais tendên­cia tem para ser narcísica, um fa­tor associado à procura de reco­nhecimento e baixa autoestima, embora muitas vezes não o reco­nheça como tal». Ainda assim, um pouco de narcisismo na me­dida certa é fundamental para uma boa estruturação do sujei­to. «Equipa-nos para lidar com as adversidades da vida.»

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Carla Pinto Silva (na foto), 30 anos e diretora de comunicação e re­cursos humanos, é um exemplo desta capacidade de afirmação que cada um tem de si próprio. «Tenho sempre muito cuidado com aquilo que publico – até porque a imagem que os outros têm de nós somos nós que a criamos –, mas para mim a exposição não é nenhum bicho-papão», assegura. Já fez jornalismo televisivo à seme­lhança de Ana Filipa Rego, quando trabalhou na Agência Financei­ra e comentava a Bolsa para a TVI. Como ela, tem noção da impor­tância de se contar uma história que merece a pena ser partilhada e está consciente de como lidar com isso.

«Vivemos na era da valorização da autoestima e do reforço da iden­tidade através da imagem. O poder da imagem está cada vez mais li­gado ao poder da afirmação pessoal», reconhece Carla, que adora postar fotos suas e aprecia quando a elogiam, mas não vive depen­dente disso. «Hoje não basta alguém ir a um evento ou a um local ex­traordinário: precisa de mostrar que esteve lá. As pessoas usam is­so para se sentirem mais bonitas, até mesmo para se reinventarem.» Pela parte que lhe toca, considera-se uma mulher alegre, segura e de personalidade forte que, por ser feliz, se sente linda e confiante. O narcisismo é outra coisa, um transtorno. «Há, de facto, quem o de­senvolva, sobretudo porque se preocupa obsessivamente com o que os outros pensam de si. E, sim, tendemos a confundir a boa autoesti­ma com esse transtorno. Eu faço o que gosto, o que me apetece, e is­so chega-me. Não sou nada influenciável, apesar de respeitar sempre as opiniões dos outros.»

Uma reportagem publicada em maio de 2013 pela revista Time rotulava de «geração me me me» os nascidos entre 1980 e 2000 – chamados millenials: miúdos narcisistas, preguiçosos e superfi­ciais, que ainda moram com os pais e são alienados e ansiosos aci­ma da média. Também o ensaísta Rob Agshar, num artigo no The Huffington Post, referiu que os jovens de hoje não conseguem em­penhar-se em conquistar nada, habituados que estão a ser elogia­dos e a ter tudo de mão beijada. Bárbara Ramos Dias, Caio Feijó, Filipe Miranda e Rita Espanha dizem que não são só as novas ge­rações que sofrem destes exageros do ego, a tecnologia apenas lhes dá maior alcance. Um estudo realizado pela Universidade de Bentley, Massachusetts, EUA, concluiu ainda que 84 por cento dos millennials estão mais preocupados em fazer uma diferença positiva no mundo do que com o seu próprio reconhecimento, o que nos diz que é perigoso generalizar.

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Filipa Amaral, 20 anos, e Salomão Fonseca, 24, (na foto) passam com no­ta máxima nesta alegria de viverem as suas vidas sem competirem com outros por atenção nas redes sociais nem fazerem disso uma validação pessoal constante. «Há pessoas que desde que acordam até se deitarem estão sempre a postar: “Agora estou aqui, fiz isto, co­mi aquilo, vesti esta roupa, comprei este livro.” Hoje é tudo instan­tâneo e resulta em abusos. Não é anedota haver quem esteja a casar–se e a perder o momento na voragem de dizer aos outros o que es­tá a fazer», lamenta o assistente técnico numa casa de acolhimen­to, formado em Artes Visuais e Tecnologias. «Tenho amigos que sei quando saem de casa, onde estão, com quem estão e quando voltam. É exposição a mais. No verão, então, é uma loucura de fotos na praia ou no ginásio, em tronco nu, em biquíni, a mostrar os corpos tonifi­cados», acrescenta ela, no 3.º ano da licenciatura de Educação Bási­ca na Escola Superior de Educação de Lisboa.

No caso deles é diferente: há uma festa, um passeio, uma surpre­sa que os marca, e escolhem o que guardar e o que partilhar. «Se ca­lhar, outros publicariam logo tudo no Facebook ou no Instagram. Nós entendemos que há instantes que são só nossos», defende Sa­lomão. Filipa concorda: «A partir do momento em que o meu pai, o meu tio e muita da família estão nas redes sociais, tem de haver um certo limite por respeito. Existem coisas que eu compreendo que não queiram ver. Além de que muita gente tenta mostrar algo que não existe ao expor-se: criam uma personagem, alimentada pelos comentários dos outros, como uma camada que as protege daqui­lo que realmente sentem.» Um like é bom, mas melhor do que isso é não precisarmos dele para nos sentirmos amados.

» NARCISISTAS FAMOSOS

PARIS HILTON Tem almofadas com o seu rosto estampado em casa, veste camisolas com o seu rosto estampado na rua e foi uma das primeiras socialites do mundo a conseguir transformar-se numa marca.

SUSANA VIEIRA Diz a quem a quiser ouvir que o seu talento natural é perfeito, seja em matéria de representação ou de influenciar as pessoas. «Quem não é narcisista pode ser freira, não artista», diz.

MADONNA O irmão, Christopher Ciccone, escreveu no livro Viver Com a Minha Irmã Madonna que a cantora «é controladora, má e narcisista». Acusações confirmadas pelo ex-marido, o cineasta Guy Ritchie.

CHRISTIAN BALE Notabilizado pela arrogância e por papéis como O Cavaleiro das Trevas, agrediu verbalmente um diretor de fotografia que lhe interrompeu uma cena em Exterminador Implacável – A Salvação.

MICHAEL JACKSON Artista universal, fazia desmaiar os fãs com a sua presença e acredi­tava ser a razão da existência de tudo à sua volta. Já em criança desejava que a sua carreira fosse o maior espe­táculo da Terra.

TOM CRUISE Adora ser admi­rado. A confiança em si é tal que demitiu a relações públicas que lhe geria a imagem, por achar que faria melhor so­zinho, e acabou a saltar num sofá da Oprah em direto.

LINDSAY LOHAN Os médicos diag­nosticaram trans­torno de persona­lidade narcisista à atriz, que vive obce­cada com o modo como os outros a veem e condiciona tudo o que faz em função dessa expe­tativa desajustada.

KIM KARDASHIAN Numa viagem à Tailândia em julho deste ano, a mãe de Kim Kardashian aproveitou a mu­dança de ares para acusar a filha de ser narcisista e obce­cada por selfies. A famosa não se can­sa de fazer poses.
» COMO ELEVAR O AMOR-PRÓPRIO DAS CRIANÇAS SEM FAZER DELAS O CENTRO DO UNIVERSO
A autoestima não é inata e o elogio, garantem os especialistas, tem o papel de motivar os pequenos a enfrentarem os desafios e a perceberem que são capazes e amados. Saiba como elogiar na medida certa para não criar adultos com visões deformadas de si mesmos e incapazes de lidar com as frustrações:

ELOGIE SEMPRE que a criança tiver um comportamento correto. Ao dizer que está muito orgulhoso da maneira como ela arrumou ou fez algo, em vez de dizer que ela é a melhor do mundo, torna o elogio credível e fá-la sentir-se valorizada.

ENSINE-A A PÔR-SE NO LUGAR DO OUTRO. O exercício de perceber que existem outros pontos de vista além do seu é fundamental para aprender a respeitar as diferenças. Reforce que a partilha é crucial.

DIGA NÃO QUANDO NECESSÁRIO. Há educadores que receiam o sentimento de culpa de verem as crianças chorar e ser con­trariadas, mas todas elas precisam dos seus limites e é importante estabelecê-los desde cedo. Experimentar a frustração faz bem.

NÃO A COMPARE COM AMIGOS E IRMÃOS. Elogie o que cada uma faz de melhor, usando adjetivos diferentes para que a criança se sinta única, importante e amada. Cada filho necessita de autoconfiança e consciência do próprio valor.

DÊ O EXEMPLO. Se disser à criança que não deve gritar ou fazer birras, nunca o faça aos berros ou amuado com algum comportamento menos adequado que ela possa ter tido.

DESENVOLVA PROJETOS EM CONJUNTO tendo em conta as habilidades da criança. Pintar, cozinhar, jardinagem e trabalhos manuais diversos são ótimos para os pais fa­zerem com os filhos. A identidade é construída com atividades, sucessos e fracassos, mais do que com elogios vazios que deixam os miúdos com receio de tarefas e de poderem falhar.

4 PERGUNTAS A CAIO FEIJÓ, mestre em psicologia da infância e da adolescência
«OS ADOLESCENTES VIVEM EM BUSCA DE SI MESMOS»

Como se explica este aumento do narcisismo nos últimos anos?
_Tivemos significativas mudanças comporta­mentais de há duas gerações para cá, causa­das por dois fenómenos: por um lado, a liberta­ção feminina do antigo papel de dona de casa; por outro, a revolução tecnológica dominada pelos mais jovens, filhos de pais ausentes. Des­tes dois factos resulta a superproteção fami­liar, quase sempre provocada por sentimentos de culpa pela ausência, em que os pais dão tudo aos filhos e são permissivos para evitar magoá-los. A tecnologia caiu-lhes do céu neste con­texto: os mais novos ganham os últimos smar­tphones, hipnotizados pelas redes sociais on­de quem tem mais likes é o melhor. Daí para os exageros como o self nude e o sexting é um pas­so. Também a TV mudou para pior: programas como o Big Brother valorizam a vulgaridade, e os pequenos, sem supervisão parental, aca­bam por absorver comportamentos bizarros.
O culto às celebridades e os reality shows fazem o narcisismo parecer normal?
_Não devemos generalizar. Há celebridades com louváveis conteúdos sociais e reality sho­ws que acabam por revelar pessoas vazias. De­pende muito da forma como o programa ou a celebridade são interpretados pelo espetador.
O excesso de exposição compensa o facto de não fazerem ideia de quem são realmente?
_ Infelizmente. Como disse o psiquiatra Maurí­cio Knobel no seu trabalho A Síndrome Normal da Adolescência, os adolescentes vivem uma procura de si mesmos o tempo todo e apresen­tam sucessivas contradições na conduta, além dos clássicos deslocamentos temporais. Se o comportamento em questão estiver neste âm­bito do desenvolvimento, trata-se apenas de uma fase, a ser superada e modificada com as evoluções da vida. Caso contrário, teremos um transtorno de personalidade narcisista.
Os pais também são responsáveis?
_ São. É a boa qualidade dos limites estabeleci­dos pelos pais na primeira infância (a persona­lidade constrói-se até aos 5 ou 6 anos) que pro­duz indivíduos com bons repertórios para lida­rem com as frustrações. Quando são os pais as pessoas que passam mais tempo com os filhos nessa fase (os ausentes costumam delegar), é o seu exemplo que lhes vai servir de modelo.