Faltam dois dias para o momento em que – acompanhado de passas – tanta gente vai desatar a desejar o possível e o impossível para os 365 dias a estrear. E muitos até já começaram a fazer a lista dos desejos.
Mas isso é para meninos. Homem que é homem, com dois dedos de testa e experiência de vida, sabe que a melhor coisa a desejar em 2014 é… nada. Manter as expetativas em baixo. Porque essa é a melhor forma de garantir que conseguem alcançar aquilo a que se propuseram. Se não esperarem grandes coisas, não apanham grandes deceções. Não se trata de ser pouco ambicioso. Ou menos ambicioso. A ambição é boa. O desejo de mudar é bom. Mais: a necessidade de mudar é boa. Mas badalar muito isso pode ser pernicioso. Meio caminho andado para se dececionarem convosco.
Além disso, nos últimos anos, fomos refinando os desejos e elevámos o nível aspiracional do que queremos alcançar. Já não basta «perder a barriga», «fazer exercício» ou «aprender uma língua estrangeira». Agora toda a gente quer ser fora de série.
Com tanta oferta de pessoas incríveis, está cada vez mais difícil ser um tipo normal. E os tipos normais fazem falta. Hoje em dia, as exigências que caem sobre um fulano são mais do que muitas. A natureza lá saberá por que razão temos cromossomas X e Y, mas é a sociedade (e a sociedade somos todos) que dita a quantidade de coisas que são esperadas de nós. E não são poucas. Temos de ser bons amantes. Bons cozinheiros. Artistas com o berbequim. Pais perfeitos. Generosos. Com sentido de humor. Olhos bonitos. Mãos grandes. Dar bons abraços. Ter cabelo (!).
A culpa é da internet. Se temos de acusar alguém, que seja essa gaja. A televisão (sobretudo a ficção) tem o seu contributo, com tanta série a mostrar gajos com defeitos mas com carisma a rodos, ou malta que até é feia, mas com um coração do tamanho do mundo. Mas a internet… A internet é que nos traz a toda a hora os vídeos, os posts no Facebook, os links com notícias com histórias de enternecer. E, enfiado no seu mundo, sem chatear ninguém, um tipo normal é constantemente lembrado de que não sabe preparar vieiras estufadas em cama de pão crocante com romã caramelizada e redução de brandy. Que não tem uma fatiota de cozinheiro na qual fica com bom aspeto a cozinhar para a namorada (esqueçam os fatos de cabedal ou o vinil, a jaleca é o novo fato kinky para excitar uma mulher). Que não aguenta três horas de sexo com a mulher com quem está casado há 15 anos. Que não sabe mudar os caixilhos das janelas sem partir azulejos e pintar aquilo sem salpicar tudo. Que não distribui presentes a crianças carenciadas, quando sai a correr do trabalho. Que não é capaz de deixar as colegas a rir e a chorar, ao mesmo tempo, quando conta como pediu a mulher em casamento. Somos constantemente lembrados de que há por aí uma data de gente extraordinária, mas que as nossas mulheres não tiveram a sorte de apanhar um desses.
Com os atores de Hollywood, os fulanos dos anúncios de perfumes e os pilotos de avião (elas continuam a gostar de fardas), já sabíamos lidar. Mas para esta febre de «malta absolutamente banal que faz coisas fora de série, e por isso merece destaque» não estávamos preparados.
De vez em quando, foge-me a mão, mas, regra geral, não gosto de moralismos, de julgamentos de caráter ou de dar bitaites sobre a vida alheia. Ainda assim, se há boa sugestão que me atrevo a dar, a dois dias do final do ano, é esta: «Para 2014, desejem menos. E deem mais.» Mal por mal, isso é um ato de generosidade. E toda a gente gosta de gente generosa.
[29-12-2013]