
O que poupa na amesentação investe na rotação das mesas para proporcionar mexilhões de alta qualidade ao preço da chuva. Mais um espaço gastronómico para este tempo.
Fui, durante vários anos, um assíduo frequentador d’A Travessa, primeiro na Trav. Inglesinhas e depois no Convento das Bernardas, para onde se mudou há uns dez anos. A experiência revelou-se sempre muito mais do que gastronómica. Foi, primeiro, um pequeno tributo à intimidade e ao conforto. E foi, depois, isso tudo e ainda mais duas coisas então prezadas para mim: silêncio e cerimónia suficiente para que eu me sentisse de facto a sair de casa. O problema era o preço: nunca voltei de lá com uma despesa inferior a 40 euros por pessoa. Por outro lado, os mexilhões eram mesmo bons, mais belgas do que na Bélgica, ou pelo menos melhores do que quaisquer uns que eu tivesse comido no país de Brel e Simenon. E, sempre que deixava o Convento das Bernardas, ocorria-me a mesma coisa: para quando, em Lisboa, moules desta qualidade com um preço menos doloroso.
Houve algumas experiências ao longo dos anos, mas nenhuma como o Moules & Gin. Ali não há propriamente cerimónia, até porque a chamada amesentação é do mais simples que se pode conceber: individuais de papel, rolo de cozinha em vez de guardanapos, alguidares de barro a servir de prato, baldinhos de lata para os acompanhamentos e talheres todos ao barulho, num frasco colocado no meio da mesa, a vincar a atmosfera de bistrot (ou de taberna). Mas, em todo o caso, entramos e estamos de imediato rodeados de gente bem vestida e perfumada, com uma certa uniformidade tribal, mas em todo o caso bonita. E mais à frente haverá ainda a comida: mexilhões cozinhados de várias maneiras, inclusive à meunière (portanto, com alho, salsa e natas), desde logo me devolvendo aos melhores anos da Madragoa por metade do preço apenas.
Comecei com um gin Martin Miller’s com água islandesa, servido com coentros, limão e Schweppes de pimenta rosa, provavelmente a bebida mais bonita do ano. À porta, casais e grupos de amigos (incluindo rostos famosos, diga-se) insinuavam-se, conferiam a ausência de vaga e partiam descoroçoados. Há algum tempo que eu não voltava a Cascais, onde morara durante um curto período, há quase vinte anos. Nem sequer conseguira encontrar a casa, apesar do esforço com que a procurara, atrasando o jantar aos três restantes comensais. Mas a certa altura olhei em volta, para as mesas de botequim com tampo de mármore, para a qualidade da iluminação, para os pouco mais de trinta lugares sentados e para o despojamento ponderadíssimo daquilo tudo, e quase desejei que a comida demorasse.
Afinal, veio depressa (sem rotação das mesas, de facto, era difícil praticar aqueles preços). Por outro lado, não lhe encontrei um defeito: nem nos meus mexilhões, nem nos pratos dos amigos, incluindo moules à Bulhão Pato, moules fraiches e um naco da vazia fatiado (suponho que não seja preciso dizer qual era o da grávida). Fechei com um trio especial de sobremesas, incluindo cheesecake de chocolate, cheesecake de framboesa e tarte de limão, e a impressão foi a mesma: irrepreensíveis todas elas. Agora, planeio voltar.
Ficaram por provar 11 tipos de gin e seis receitas de mexilhões. Desta vez, porém, vou ao Moules &Beer, recém-inaugurado em Campo de Ourique. O gin é a melhor bebida do mundo, mas parece que os belgas dão uns toque na cerveja.
RESTAURANTE MOULES & GIN, Rua Nova da Alfarrobeira, 14, 2750-452 Cascais, Tel.: 214 867 604. Cozinha belga. Estilo/atmosfera: trendy/informal. Vinho a copo. Não fumadores. Reserva obrigatória. Aberto das 12h30 às 00h00 (até às 02h00 às sextas–feiras, sábados e vésperas de feriado). Fecha à segunda-feira. Preço médio: 20 euros.
O LUGAR ****
O SERVIÇO ****
A COMIDA ****