Quem quer ser proverbial

Notícias Magazine

Parece que a Manuela Moura Guedes (MMG) inventou um provérbio. Quando a gente olha para ela dá vontade de dizer «cala a boca, Magda!», o que, sendo uma máxima expressa em poucas palavras e que se tornou popular, pode parecer um provérbio. Mas isso é só um bordão, uma expressão. Provérbio, adágio, ditado, rifão ou anexim, é algo mais – é uma sentença curta mas com moral ou sabedoria. MMG inventou: «Dezembro frio, calor no estilo.» A coisa já existia de outra forma, «Dezembro frio, calor no estio», mas há que convir que essa é a solução plebeia, que busca a rima fácil. MMG quis, e conseguiu, ser erudita. Um rifão não tem de ser só do povo, já o poeta parisiense Alfred de Musset chamou «Comédies et Proverbes» ao conjunto das suas peças teatrais.

«Dezembro frio, calor no estilo» tem também a sua quota de comédia, mas o que me traz aqui é o lado proverbial. Um homem pode ter calor e querer entrar num restaurante com camisola interior – o que não pode ser mais, lá está!, sem estilo. De forma incisiva, como convém a um ditado, a condensação frásica de MMG faz-nos saltar do pressuposto meteorológico (as baixas temperaturas no inverno) para um clímax inesperado (suportar o verão sem fugir ao estilo). A causa, o longínquo inverno; o efeito, um casaquinho de lã fria, um cardigan, próprio para o calor.

Na verdade, juntar épocas do ano e estilo não é novidade – os desfiles de moda não são primavera-verão, outono-inverno?… –, a ideia é simples mas só alguém que conhece mundo se lembraria. MMG correu foi o risco de ser perseguida pela chocarrice, como calha entre nós a todos os inovadores geniais. A fórmula «calor no estilo» levou, na net, a alusões soezes sobre onde ficaria o tal «estilo» acalorado. Mas, como diz outro provérbio, «medem-se as torres pela sombra e os grandes homens [e mulheres] pelo número dos seus invejados».

Outra crítica insinua que há abuso de MMG em tentar inventar numa área, a sabedoria popular, onde tudo já está cimentado pela tradição. A famosa apresentadora chumbou uma concorrente do Quem Quer ser Milionário, por esta não ter aceitado como certa a hipótese «estilo» para completar o provérbio «Dezembro frio, calor no…». Surgida a polémica, MMG, acossada, garantiu haver as duas variantes, as tais acabadas em «estio» e em «estilo», e que havia «pelo menos, dez fontes» onde o provérbio preferia a última versão. Ora, nem O Grande Livro dos Provérbios, de José Pedro Machado, nem a Nova Recolha de Provérbios e Outros Lugares Comuns Portugueses das minhas estantes transcrevem a versão «estilo». MMG deve estar a citar fontes da internet, talvez gralhas repetidas em copy paste.

A internet é perigosa como fonte (por exemplo, a rua carioca Bulhões de Carvalho é lá citada várias vezes com duplo erro, erros que, aliás, também a fazem ser conhecida como a rua Quase-Quase). Era melhor MMG assumir a autoria daquele provérbio. Quem me dera ter sido eu a inventar esse notável «Dezembro frio, calor no estilo». Inventar, sim, porque ninguém declarou que a produção de aforismos estava suspensa. É certo que os há tão antigos como o Livro dos Provérbios, na Bíblia, e que Gil Vicente fez uma peça baseada em «mais quero asno que me leve que cavalo que me derrube». Mas se no Livro dos Provérbios só há 375 provérbios (e muitos se repetem), tenho um livrinho com 5142 pensamentos que são todos provérbios de um autor, Millôr Fernandes, que só morreu no ano passado.

Millôr não só inventava provérbios, como transformava os clássicos. Do «não há pior cego do que quem não quer ver», ele fez um melhor: «Não há pior cego do que aquele que quer ver.» MMG fez bem em ter melhorado com «estilo» o velhadas «Dezembro frio, calor no estio». Agora estou à espera que melhore o «Chuva em Novembro, Natal em Dezembro». Estou a vê-la a criar: «Ornitorrincos em Novembro, minas de tungsténio no Natal». Faz sentido.

[06-10-2013]