Muitas vezes, vezes demais, pensamos dentro da caixa. Sendo que, nos últimos tempos, a caixa é normalmente um quadro económico qualquer que justifica todas as medidas de contenção, todas as estratégias de austeridade. Debitamos uma série de conceitos que nos venderam, que se tornaram a comunicação massificada do momento, que colámos com cuspo ao nosso discurso, vá lá, para parecermos finos. De um momento para o outro transformámo–nos em economistas, contabilistas, especialistas em estratégias macro e microeconómicas, no futuro que, dantes, a Deus pertencia, e agora, somos nós que dominamos – viemos talvez um pouco tarde demais, mas isso não interessa nada para o caso.
Na voragem desses conceitos veio também a ideologia da juventude, que se aplicou sobretudo nas empresas. Prova disso é que a maior fatia dos desempregados – 268 mil em 836 mil – pertence a quem tem mais de 55 anos. A ideia de que é preciso inovar a qualquer custo e, para isso, estarão sempre mais disponíveis os jovens, iúúúúúú, os frescos, os de cabeça lavada. Sempre deu um certo jeito, também, por exemplo, que os jovens sejam os que ganham menos, os que têm menos poder de reivindicação e mais poder de encaixe e a isto junta-se obviamente a precariedade.
Nos últimos tempos – e muito à conta da não criação de novos empregos – os mais jovens, mesmo os mais jovens, os que têm entre 15 e 25 anos, têm engrossado as fileiras dos desempregados. Mas a situação de quem está a começar, tem o futuro pela frente para usar, tem garantidas as forças e a energia, será sempre melhor do que a de quem, cansado da vida, leva uma paulada na cabeça que representa sempre a perda de um emprego. Nós somos o que fazemos, disso ninguém têm dúvidas. Tirarem-nos o trabalho é como amputarem uma parte do nosso ser, do que nós somos.
Serve este enorme introito para vos falar da grande reportagem que publicamos nesta semana. Chama-se «Prata da casa», expressão que nos conduz ao erro e que tantas vezes usamos de forma depreciativa. São os que ficam, os que restam. As coisas que são nossas e que reutilizamos. Não é o caso desta história que a Sónia Morais Santos perseguiu nos últimos meses. Aqui, quando falamos de prata da casa estamos a tentar dar à expressão todo o esplendor: a riqueza que temos dentro de portas e que muitas vezes esquecemos e não damos valor.
A Sónia falou com pessoas que estão todas nas áreas dos serviços: uma cabeleireira, um porteiro de hotel, um livreiro, dois lojistas – vulgo empregados de balcão. E é precisamente nesta área que se nota mais, não só a experiência que todos estes trabalhadores de longo curso têm, como também coisas que não se conseguem ensinar (e que se ganham precisamente com essa experiência): o amor à camisola, o respeito pela marca, a ideia de que fazem eles próprios parte da instituição.
É esta noção institucional, talvez até um bocadinho sacralizada, que acaba por ligar os trabalhadores à empresa e à sua história. Eles são, mais para o bem do que para o mal, os guardiões do templo. Fazem parte do negócio e por ele dão o litro. Para eles, é um assunto pessoal, confundindo-se muitas vezes com a «casa». Nesse sentido são, como se diz agora, um asset, um recurso. Patrões que não percebem isto não merecem o nome que têm.
[17-11-2013]