Ainda sobre a expressão: «Sem peso nem medida»
1.
Pensar no que é monstruoso. Não ter peso nem medida é uma definição de informe.
O monstruoso – aquilo que eu não consigo definir – não tem peso.
– Quanto pesava ele?
– Não sei.
E o monstruoso não tem medidas.
– Qual a altura do monstruoso?
– Não sei
– Qual a largura?
– Não sei.
– Qual o volume?
– Não sei.
Ao contrário, portanto, dos animais, plantas, homens, etc., o monstruoso não tem peso nem medida.
2.
Pensar, por exemplo, em fazer uma taxonomia de coisas sem peso nem medida. Eis uma tarefa difícil.
Como separar 5 coisas que não têm peso nem medida? Como distinguir entre 5 coisas monstruosas?
Neste sentido, uma vida sem peso nem medida seria monstruosa. Será essa, afinal, a definição de uma vida imoral?
Eis, portanto, uma hipótese: uma vida imoral é a que não pode ser pesada na balança nem medida com fita métrica. Essa seria, pois, a vida imoral em absoluto, a vida do diabo.
Reparemos nisto. Quando se fala de uma vida excessiva fala-se de excesso – de peso, largura, comprimento e altura.
Mas uma vida excessiva não é monstruosa. Uma vida monstruosa está para além da capacidade de medida e da capacidade para pesar. Está para além do excesso.
Em suma, estar para além do bem e do mal é estar para além do peso e da medida. Porque o Bem e o Mal, apesar de tudo, podem ser pesados e medidos. O Bem é o que está dentro das medidas e dos pesos bons; o Mal é o que está para além das medidas boas e dos pesos bons – é o que está contido nas más medidas e nos maus pesos.
Estar para além do Bem e do Mal é outra coisa.
3.
Enfim, muito mais se poderia conjecturar. A expressão: sem peso nem medida – é preciso pensar nela com atenção.
Imaginemos alguém chamado Jonas que traz a fita métrica e a balança para tentar compreender um certo acontecimento, mas há alguém que diz:
– Não vale a pena. Esta experiência está para além do bem e do Mal.
Ou que diz:
– Não vale a pena: este crime, este acontecimento, está para além do Bem e do Mal.
Recear o Mal; recear ainda mais o que está para além do Bem e do Mal – recear muito o monstruoso.
Passado, futuro (o que aí vem, o que já passou)
Numa parede da rua está escrito, com tinta:
Não olhes demasiado tempo para o futuro porque podes ver a cara dos teus avós.
– Quem escreveu isto?
– Já cá estava.
– É uma frase sensata.
– A sua inversa também é sensata:
Não olhes demasiado tempo para a cara dos teus avós porque podes ver o futuro.
– É tudo circular, é isso?
– Sim, em definitivo: até as rectas.
GONÇALO M. TAVARES ESCREVE DE ACORDO COM A ANTIGA ORTOGRAFIA
[03-11-2013]