O último dos românticos

Leonardo Negrão/Global Imagens

«All you need is love.» Os Beatles é que tinham razão. Eles e Pedro Marta Santos, autor de 50 Segredos Politicamente Incorrectos do Amor, onde encontramos uma série de respostas para tudo o que sempre quisemos saber sobre o mais complicado dos sentimentos. E a lamechice não é para aqui chamada.

O amor é tramado. É bom de viver e de sentir, é mau para ressacar e sofrer (ainda que isso faça parte do pacote completo), mas é tramado para escrever. Haverá quem ache que sabe o suficiente sobre o tema para deitar cá para fora e partilhar generosamente com o mundo tudo o que aprendeu. E haverá quem reconheça que, por muito que entenda do assunto, é melhor não tentar traduzir em palavras o que já é difícil de entender em emoções. E também há quem continue a gostar do amor, mas se recuse a falar dele em público, sobretudo desde que o sentimento passou a oscilar entre o «sofrido» território de poetas e o «piroso» território dos romances de cordel, revistas femininas ou novelas.

Pedro Marta Santos, autor de 50 Segredos Politicamente Incorrectos do Amor (ed. Guerra e Paz), poderia fazer parte do primeiro grupo, não fosse o facto de a descrição ser redutora. O jornalista e argumentista de 45 anos, natural do Porto, a viver em Lisboa desde 1994, quando começou a trabalhar no semanário O Independente, percebe de amor. Mas tão importante como a experiência, é o mérito de conseguir relacionar o assunto com uma profusão de outras áreas. «Eu queria escrever sobre sentimentos, mas com uma dimensão prática, apesar das referências teóricas», explica o autor. «Com densidade, mas com exemplos que as pessoas percebessem.»

Este Memorando do Entendimento do Amor é feito de casos práticos, em que facilmente nos revemos. Que atire a primeira pedra (ou puxe do primeiro lenço para limpar as lágrimas de um qualquer coração partido) quem não fica a pensar nisto: «Os homens são tão diferentes das mulheres da cintura para baixo como do pescoço para cima.» Ou nisto: «O sexo está cada vez mais afastado da sua base darwinista; a eficiência reprodutiva já não é o que era; e problemas como a gravidez indesejada ou doenças sexualmente transmissíveis tenderão a desaparecer ao longo deste século.» Ou nisto: «Mesmo que nos apaixonemos pelas pessoas com quem praticamos sexo, ou que passemos a amar a pessoa com quem começámos a fazer amor, somos mais capazes de ultrapassar um coração partido do que julgamos.»

A verdade é que podemos não concordar com todos estes segredos politicamente incorretos, mas todos nos deixam a pensar. «Estas não são, necessariamente, as minhas opiniões», diz o autor. «São teorias de cientistas sociais, psicólogos evolucionistas, neurocientistas, historiadores, biólogos, politólogos e até economistas. Eu limitei-me a juntar tudo.» O resultado são cinquenta pequenos textos que se podem ler de seguida ou aleatoriamente, numa escrita rápida e irónica, com temas tão diversos como infidelidade, redes sociais, pornografia, educação, evolução das espécies, beijos na boca, filosofia, politica, história ou sexo anal. Não necessariamente por esta ordem.

E quando falamos de amor, falamos de quê, exactamente? Sexo, paixão e estados de alma? «Não só. Há também compaixão, solidariedade e entre-ajuda. Interessa-me bastante o amor enquanto instrumento de solidez social, no sentido mais clássico e nobre do termo. Até porque acho que essa é a arma mais eficaz para lutar contra o estado a que chegamos.» Como disse? Então, é o amor que pode acabar com a crise? Entramos no reino da utopia? «Nunca de lá saímos, nos últimos milhares de anos», diz o jornalista. «O cristianismo é uma utopia. O comunismo é uma utopia. Até a social-democracia se revelou uma utopia. O maior problema dos dias de hoje não é o mercado, o governo ou a troika. Mais grave que a falta de amor é a indiferença ao amor. Isso sim, é perigoso.»

Com 50 Segredos Politicamente Incorrectos do Amor, Pedro Marta Santos não tem pretensão de mudar o rumo dos acontecimentos ou criar uma nova ordem mundial, num momento em que «o mundo ocidental atravessa a maior crise desde a Segunda Guerra Mundial e uma das maiores desde a queda de Constantinopla». Mas se conseguir alertar para a falta desta ética humanista do amor, já se dará por parcialmente satisfeito.

Entretanto, ele não tem bem a certeza se é preciso ser um entendido em amor, para escrever um livro destes. Mas, para os devidos efeitos, este homem casado há 17 anos (dedica o livro à mulher, Alexandra), garante que ama, que é amado, que já gostou e não foi correspondido, que já foi gostado e não correspondeu; que já traiu e que já foi traído. Se não passou por todos os estádios do amor, pelo menos já fez escala em apeadeiros suficientes na linha dos afetos para ter experiência no que escreve: com conhecimento de causa da dor de corno, dos remorsos ou das noites em branco por causa de um telefonema.

A par da experiência, a pesquisa foi essencial para escrever o livro. Pedro Marta Santos leu e releu livros de história, religião e sociologia, consultou artigos científicos de psiquiatria e biologia, assistiu a muitas conferências TED. Ao todo são quase cem referências bibliográficas, disponíveis nas últimas páginas, para quem quiser saber mais sobre o tamanho do cérebro, os hábitos sexuais dos portugueses, os limites do prazer ou o poder dos introvertidos. Há também uma lista de sugestões de filmes – Pedro já assinou centenas de críticas de cinema na imprensa, já redigiu 25 argumentos para o grande écran e sete minisséries para televisão e já viu mais de sete mil filmes na vida toda – da qual fazem parte clássicos como O ABC do Amor, de Woody Allen, Macbeth, de Orson Welles, ou O Leopardo, de Luchino Visconti. Mas Vertigo, de Alfred Hitchcock, é o filme sobre amor que viu mais vezes, e Ondas de Paixão, de Lars von Trier, a sua escolha para entender os limites disto que insistimos em chamar sentimento. Mas «talvez o amor não seja um sentimento. Nem sequer uma emoção. Talvez o amor seja, sobretudo, um impulso.»

Não é garantido que encontremos nestas páginas o caminho para o grande amor, mas talvez haja aqui boas pistas para esquecer aquela pessoa que insistíamos em manter no pedestal. «Não obtermos romanticamente o que queremos – ou perdermos o que gostávamos de manter – pode levar-nos à felicidade.» Até porque, possivelmente, é muito melhor termos vários amores. Se vida há só uma, que se multipliquem os amores que nela vivemos. Até porque «a monogamia é uma engenharia social, devíamos ser poligâmicos», garante o autor. «Mas com uma pessoa de cada vez.»