O poder do esférico rolando

Notícias Magazine

Pronto, ok, é de futebol que estamos a falar na capa desta edição. Seremos porventura os primeiros numa semana em que o futebol vai centrar atenções, polarizar interesses, galvanizar os ânimos. Isto se não houver mais nenhuma catástrofe – natural, social ou mesmo aquelas a que nos habituámos mais recentemente, as económico-financeiras. E sempre na esperança de que não sejam os jogos do playoff com a Suécia a transformarem-se numa. Porque será isso o que podemos chamar à hipótese de não irmos ao Mundial do Brasil de 2014.

Não, não estou a exercer a ironia. Um Mundial no Brasil não é um mundial qualquer. É um Mundial no Brasil, um mundial onde se vai falar português, o que, para além de todas as proximidades mais ou menos lamechas entre nós e o país irmão, constitui um fato importantíssimo para o posicionamento geoestratégico da nossa língua, da nossa história, e das nossas relações económicas mais recentes. Isto tem implicações óbvias. Não só para os cinco milhões de portugueses e descendentes que se estima constituam a audiência básica e a torcida de apoio da nossa seleção. Mas sobretudo para a enorme rede de ligações e de negócios que existem neste momento entre os dois países. Ou alguém acha ainda que o futebol é tão importante porque é o que se joga apenas nas quatro linhas?

Depois, é preciso não esquecermos que este é um campeonato no país do futebol, no país onde nós ajudámos a escrever-lhe a história. Antes que seja tarde, é bom lembrá-lo. Foi o clube fundado por emigrantes portugueses no Rio de Janeiro, o famoso Vasco da Gama, que, em Agosto de 1923, operou uma autêntica revolução no futebol brasileiro – e, já agora, mundial: sagrou-se campeão com uma equipa mista, um time onde pela primeira vez jogaram negros, mulatos, pobres e operários. Por essa altura, nem o Fluminense, nem o Flamengo nem o Botafogo aceitavam negros – o Vasco da Gama foi olhado de lado por causa desse preconceito que era o espelho da moral vigente, mas acabou por estar do lado da História. Digamos que, sem Vasco da Gama, era possível que não tivesse havido Pelé nem Garrincha – porque qualquer mudança histórica precisa de um certo tempo de maturação para ter efeitos.

A reportagem que publicamos esta semana tem o Mundial no Brasil no horizonte, mas é sobre outro futebol – o português na Suécia. Futebol amador, um pouco na senda dos primórdios do Vasco da Gama, de equipas feitas de e para emigrantes. Mas também aqui, mais uma vez, o futebol serve de pretexto para falarmos de outros assuntos. «Na história da equipa Portugisika FF cabe a história da emigração portuguesa para a Escandinávia», diz o nosso repórter, Ricardo Rodrigues, que foi a Gotemburgo para contar esta história. É uma saga que começa na ida de Martinho Escudeiro para a Suécia, em 1966, para ser um indiferenciado – mas esforçado – trabalhador de uma pedreira e acaba com Tiago Franco, 32 anos, o engenheiro eletrotécnico que saiu de Portugal em 2006, antevendo os dias de brasa que haviam de chegar e antecipando a falta de empregos e oportunidades. «O talento do país está a fugir, na maior parte das vezes porque não tem alternativa», diz ele.

Tiago nunca pensou que havia de ser o presidente da Associação que ele, como jovem emigrante, associava às ideias mais atávicas da emigração portuguesa. Mas quando as saudades bateram mais fortes aceitou o cargo. E ajudou a juntar gerações à volta de uma mesa de bacalhau. Ou num campo de futebol. É esse o poder do esférico rolando, sobre a relva ou sobre o sintético de um pavilhão da Volvo.

[10-11-2013]