No tempo em que nós inventávamos elefantes

Notícias Magazine

No passado fim de semana, um grupo teatral, Trigo Limpo, passeou um elefante com rodas pela Praça do Município. Feito de vime e de tamanho natural, o elefante foi montado perto dali, frente à Casa dos Bicos, a sede da Fundação Saramago. Sítio certo, porque não era um paquiderme qualquer, tratava-se de Salomão, aqui, Soliman, em Viena (já vos conto a diferença), o protagonista do romance de Saramago A Viagem do Elefante. Contou o jornal espanhol El País que Pilar del Río, a viúva do escritor, deu por um homem moreno à volta do artefacto que depois, sobre rodas, iria passear-se na peça do Trigo Limpo. Esse homem disse a Pilar: «Sou indiano e sou tratador de elefantes.»

O texto de El País acabou nessa frase. Fiquei curioso e passei um dia (terça-feira) a comprar jornais e garrafinhas de água por vários comércios no sopé de Alfama onde o comerciante tivesse a pele acobreada. Ao pagar, eu dizia: «Obrigado, Subhro!» E quando ele nem pestanejava, como aconteceu sempre, eu pegava em mais alguma, uma escova de dentes, outra garrafa, pagava e dizia: «Obrigado, Fritz!» (também já vos explico isto). Lamento dizer que o meu truque não resultou e nenhum comerciante se descoseu. Desconfio até que estive sempre a falar com paquistaneses. O que não afasta a minha certeza sobre o essencial: se não em Alfama, anda algures por Lisboa um cornaca indiano que tem muito para contar.

O romance de Saramago não é ficção completa, bebe numa História com histórias de arregalar os olhos. No tempo do Salomão, falo do elefante, Portugal tinha-se especializado na alta tecnologia. Éramos a Samsung da época, só que em vez de fazermos o lançamento de novas e extraordinárias aplicações, anunciávamos à Europa que era possível fazer ligações com o resto do mundo. Mas estávamos como o Steve Jobs na década de 1970: ele precisando de explicar o conceito inovador do computador pessoal; nós, que havia resto do mundo. E fomos smarts: se os europeus não conheciam o básico (sabiam lá o que era a Taprobana!), decidimos trazer o resto do mundo à Europa. Já em 1477, o nosso Afonso V, o Africano, mandara um elefante para o rei de Nápoles. Em 1514, D. Manuel fez um pacote (estilo relógio inteligente, com GPS e máquina fotográfica) com um elefante, um rinoceronte, símios e papagaios, 43 aplicações, perdão, animais exóticos, e mandou tudo ao papa Leão X. Nesse tempo tínhamos o sentido da publicidade.

E assim chegamos ao Salomão, um elefante de segunda geração, acoplado pelo tratador, o cornaca indiano Subhro. Oferecido por D. João III a Maximiliano II da Áustria, este recebeu-o em 1551, em Espanha, e foi com ele de barco até Génova, galgou os Alpes e entrou em Viena em 1552. Calculem a campanha publicitária, ver passar a novidade, «coisa de portugueses». Em várias cidades – Brixen, Linz… – pintaram-se as fachadas com o elefante e algumas estalagens mudavam as tabuletas para «Zum Hellephant». Em Viena a entrada foi triunfal e uma criança, empurrada pela multidão, foi salva pela perícia do cornaca e pela generosidade da tromba do elefante. Maximiliano mandou fazer uma medalha comemorativa com ambos, Salomão e Subhro. Mas germanizou-lhes os nomes como que para lhes ficar com a patente: Soliman e Fritz.

Soliman morreu logo no ano seguinte. Isto de dar elefantes a austríacos… Das suas patas fizeram bengaleiros (o que justamente indignou Saramago no seu romance), com ossos fez-se um tamborete e a pele curtida aguentou até à Segunda Guerra Mundial, quando foi transformada em sola de sapatos. Andámos nós a apresentar o mundo à Europa para isto. O nosso aliado, Subhro, sacudiu o nome «Fritz» logo que pôde e desapareceu.

Até que, na semana passada, frente à Casa dos Bicos…

[22-09-2013]