Estar na moda é fácil ou é impossível

Notícias Magazine

Amália Rodrigues dizia que cantar ou é facílimo ou é impossível. Estava, claro, a falar de fado. Mas podia estar a falar de moda. E eu lembrei-me desta frase porque ela atravessa o nosso tema de capa desta semana. A moda e o fado, ambos entranhados na pele de Gisela João, uma fadista cheia de estilo. Gisela, a fadista, é a personificação da frase de Amália. Não indo sequer pelo caminho das comparações – um génio, é, por definição, irrepetível – desafiamos quem nunca ouviu Gisela João a ir já ao Youtube ver a sua interpretação de Meu amigo está longe , para perceber o que queremos dizer.

Mas eis que descobrimos que Gisela também gosta de fazer roupas, e, além do jeito para o artesanato que lhe ocupa os tempos livres, faz também as suas próprias roupas, as de palco e as outras. Foi assim, neste cruzamento entre dois temas que nos são caros – o fado e a moda, sendo que a moda é o assunto deste Especial – que escolhemos fazer uma produção de moda com as roupas criadas por Gisela João. Fotografámo-la no Porto, a sua casa no fado, onde começou a cantar, vinda de Barcelos, de onde é natural.

Com este tema de capa, cumprimos, assim, a função que gostamos de dar a estas edições especiais, que é a de olhar sempre um outro lado da moda. Não nos limitarmos ao frou frou dos vestidos e ao glamour da passerelle – embora esse, como é lógico, tenha sempre de estar presente. Mas, como dizia Coco Chanel, a moda não é algo que existe apenas nos vestidos, está no céu, na rua, a moda tem a ver com ideias e com a forma como vivemos, a maneira como as coisas acontecem. Neste caso, é a moda da Gisela. E, sem falsos trocadilhos, a Gisela que está na moda. Esta menina que se tornou, nos últimos meses, a coqueluche do fado. Apareceu em todo o lado, deu entrevistas, falou para as televisões, subiu aos tops.

Que tudo isto tenha acontecido sem que Gisela tenha alguma vez dado um passo fora da mais tradicional forma de cantar o fado, é, por um lado, um feito, e por outro, uma esperança. Na sua voz embargada e forte e nos seus ténis All Star está o futuro e a continuidade de uma arte que se tem de preservar, mas que se quer também que evolua, que salte, que vibre, e que nessa alegria viva para sempre. Na juventude de Gisela, e no seu empenho, está essa centelha de tantos outros jovens músicos rendidos a esta arte tradicional e que não deixam o fado morrer.

E cá estamos nós outra vez, a dar sentido à moda. Nos ténis de Gisela Joao, nas suas roupas informais, até na falta do xaile… Ela, claro, sabe disso também, e é por isso que o faz. Usa a sua forma de vestir para veicular uma mensagem. Mesmo que não o consciencialize. A moda, na sua aceção mais básica, o vestuário, entranhou de tal forma em nós a sua forma de dar sentidos que por vezes já os escolhemos de maneira inconsciente. Foi o que a moda sempre fez, dar, em tecidos, formas e cores, os mais díspares significados. Comunicar o nosso sentido da vida aos que nos rodeiam.

Estes sentidos estavam mais ou menos contratualizados, tinham os seus mestres de cerimónia identificados, até ter aparecido a internet, no seu formato redes sociais. Aí a coisa baralhou-se, os protagonistas dispersaram-se, pessoas que não tinham voto na matéria passaram a ter e a ganhar fama com as suas próprias opiniões – é o caso dos blogues de moda, que, hoje, até já ganharam lugar de destaque nas primeiras filas da moda Lisboa.

É também fruto desta dispersão a tendência de que damos conta na reportagem que publicamos sobre pequenas marcas de moda portuguesas. São marcas que foram criadas ou se afirmaram através do ciberespaço e rapidamente se transformaram em negócios que valiam a pena. Por não existirem cânones tão rígidos, conseguiram atingir um sucesso, de nicho, é certo, mas mesmo assim um bom sucesso. Não são exatamente estilistas de gabarito mundial. Não são famosos nas passerelles. Mas transformaram os seus estilos em algo partilhável e fizeram-no com lucro.

Estas pequenas marcas de que damos conta nesta edição representam, também, um esforço de empreendedorismo – palavra gasta, mas que continua a ter muito significado. É gente que não se rendeu à crise e que, embora com ela continue a sofrer, acabou por dar-lhe a volta. Vale a pena lembrá-lo, mesmo apesar do estafado da ideia. Era bom que esta palavra continuasse a estar na moda.

[20-10-2013]