Dores de cabeça

Notícias Magazine

A dor de cabeça de Fernando Pessoa era existencial. A minha será circunstancial. A ele, doía-lhe a cabeça e o universo, a mim, dói-me a cabeça e a crise.

Ao que parece, não estarei sozinha. O fenómeno já tomou proporções de epidemia e acomete a maior parte daqueles que se encontram nas mesmas circunstâncias. É uma dor agonizante, porque não há medicamento que acabe com ela. É resistente. Multirresistente. Apanha-se por contacto com medidas políticas troikistas. Os seus agentes são dotados de grande agressividade e deixam o indivíduo prostrado com dores. Quando pensamos que não podia piorar, eis que se consegue chegar a um novo máximo.

Há da parte destes agentes uma incapacidade em perceber que a pessoa não aguenta tanta dor, tanto sofrimento, tanta indignidade. Há, melhor dizendo, uma incapacidade por parte destes agentes, em perceber a importância das pessoas e do seu bem-estar.

Também, como poderiam, se foram criados e cultivados apenas para as infectarem com as suas ideias e, pior do que isso, com as suas acções? São vírus criados em laboratório, à medida, para, em conjunto e de forma concertada, irem progressivamente baixando as defesas do paciente, até que se acabe a sua força vital para lutar contra a enfermidade.

Estamos sujeitos a apanhar um destes vírus em qualquer altura, em qualquer situação. Somos obrigados a ouvir, qual tortura, os seus discursos cheios de moralismo, mas esvaziados de ética e humanidade. A acumulação no sangue das diatribes e dislates ditos pelas entidades virulentas fazem a temperatura subir de forma gradual e levam à falência progressiva de vários órgãos, entre os quais o fígado.

Ao mesmo tempo que causam a falência, provocam aquele que será porventura o seu mais perigoso sintoma. Vão convencendo a vítima de que a culpa por estar doente é dela. A culpa de ser violada nos seus direitos à sanidade, integridade, humanidade é da vítima, não do seu agressor. Esta inversão de valores leva a uma percepção distorcida da realidade e retira força a quem se deixe levar pela conversa do agente maligno.

Tal qual mafarrico que nos fala ao ouvido para nos tentar ensandecer, diz-nos o que nunca pensámos ouvir. Que aguentamos tudo, que aguentamos mais, muito mais. Se choramos de dor, somos uns piegas miseráveis, dignos de desprezo. Se não estamos contentes, que partamos. Que temos de ficar pior para sobreviver. Depois, há uns indivíduos que, de tão doentes se encontram, ficam cegos e acabam por acreditar no que lhe dizem. Defendem dietas sem bifes, acham que os que lutam contra esta doença que nos anda a acometer são carrascos e merecedores da maior repulsa, por se interporem nos planos-mestres dos causadores da enfermidade.

Submetidos a esta tortura auditiva e intelectual, a dor de cabeça vai aumentando, aumentando, ao mesmo tempo que a saúde vai minguando, minguando. A paciência, essa, parece inesgotável. Poderá ser que estejam a ganhar a batalha e a levar a uma prostração definitiva e capituladora. Como as “melhoras da morte”, poderão convencer todos de que estão a melhorar e que os seus sintomas se estão a aliviar, apenas para dar a estocada final.

Mas poderá ser também que esta seja a acalmia antes da tempestade. Um dia destes, a bolha rebenta e a coisa será purulenta. Deitar-se-á cá para fora tudo o que de mal se foi acumulando, acumulando, acumulando.

Pode ser ainda que esta aparente alucinação seja fruto apenas desta dor de cabeça que me atormenta as circunstâncias. Dói-me a cabeça e a crise e não passa com uma aspirina.

ANA BACALHAU ESCREVE DE ACORDO COM A ANTIGA ORTOGRAFIA

[17-11-2013]