Do serpão às maçãs sem gosto

Notícias Magazine

Na semana passada, enquanto preparávamos esta edição da Notícias Magazine dedicada a coisas gastronómicas, pedi ao nosso crítico de comida, Fernando Melo, que me arranjasse uma lista de produtos em extinção em Portugal. «Estás a brincar ou a falar a sério? », perguntou ele. E eu não percebi. E então ele explicou: «Não há uma lista de produtos portugueses, quanto mais uma lista dos que estão ameaçados.»

Isto é só uma pequena surpresa, na verdade, para quem conhece já há alguns anos Portugal, o país que quase deixou morrer a sua maçã bravo de esmolfe, que teve de fazer um enorme esforço para recuperar o porco bísaro, e mesmo o queijo da serra, oh o banalíssimo queijo da serra da Estrela, esteve pelas ruas da amargura. É uma pequena surpresa no sentido de que é previsível. Mas não devia ser. A alimentação não e só uma parte importante da nossa cultura e história. É também, e na sua génese, economia.

Que Portugal se tenha rendido, nos últimos 25 anos, às maravilhas da Política Agrícola Comum (PAC), abandonando campos, trocando milheirais por jipes – a nível individual – e por autoestradas – no Estado – é uma coisa. A nossa autossuficiência alimentar será provavelmente, como em qualquer país neste mundo globalizado, uma ilusão. A nossa dimensão atarracada não nos permite, nem nunca permitiria, ser imbatíveis nos preços do trigo, do milho ou até da batata.

Outra coisa é não preservarmos os produtos que só existem em Portugal, que dependem das nossas terras e das nossas condições atmosféricas, para saberem ao que sabem. Isso já pode entrar na categoria da estupidez. Porque esses são os produtos que constituem verdadeiramente uma riqueza. Porque têm aquilo que os especialistas chamam terroir – a territorialidade. São só nossos. São os fatores críticos do sucesso de Portugal na globalização – e, aqui, este movimento mundial funciona ao contrário, dando-nos vantagens quando não somos iguais a todos os outros, quando garantimos a nossa originalidade e diferença. Os franceses, esses, que além de terem usufruído da PAC para colocarem os seus eficientíssimos produtos alimentares em todos os mercados, fizeram do terroir um dos seus lugares no mundo. A alimentação constitui quase quarenta por cento do PIB francês – muito à conta do vinho e dos queijos.

Portugal tem um longo caminho a percorrer na preservação da sua alimentação. Esmifrados por regras europeias e condicionantes económicas, muitos agricultores deixaram-se seduzir por sementes mais baratas, mais seguras, e menos problemáticas, fazendo que as espécies autóctones fossem substituídas por híbridos a que toda a gente tem acesso. Em todo o mundo. Mas há, aqui, um trabalho feito nos últimos anos que nos dá esperança. Porque tem sido feito por chefs, cozinheiros, agricultores e especialistas no conhecimento e preservação dos produtos alimentares portugueses.

É assim que chegam até nós notícia de chícharos, bagas de sabugueiro, açafroa, talos de cardos ou o serpão, que é uma espécie de tomilho da beira alta. Como damos conta nesta edição, este é um trabalho tão apaixonado como voluntário. E é dessa força que nascem os grandes projetos e neles reside a preservação e a força de qualquer economia.

[13-10-2013]