As aulas estão quase a começar e os meus pais estão mais nervosos do que eu

Notícias Magazine

Eu só queria que parassem de me chatear. E de perguntar as mesmas coisas a toda a hora. Se estou pronto. Se me sinto bem. Se estou nervoso porque vou para o 10º ano e agora vai ser a doer. Se estou triste porque alguns colegas escolheram outras áreas e vamos deixar de nos ver. Se estou preocupado porque tenho de começar a pensar na faculdade. Se estou chateado porque agora tenho duas casas e ando com a roupa às costas.

Mas está tudo maluco? Mas alguém deixa de falar com alguém só porque deixa de andar na mesma escola ou escolhe outra coisa? Os meus pais não têm redes sociais? Não usam o WhatSapp? Eu com 15 anos devo ter amigos mais próximos em Espanha e na Austrália, com quem jogo online, do que malta que vejo a toda a hora e não me diz nada.

Acho que os meus pais não percebem mesmo nada. Não querem perceber. Não conseguem. Para que querem a porra do Facebook e do Instagram? Para o meu pai fotografar pratos de comida e mostrar a toda a gente que correu dez quilómetros com os ténis novos? Para a minha mãe mostrar as frases foleiras do Pedro Chagas Freitas e fotografias da praia ao fim da tarde?

Eu não sei se há coisas que eu não vejo por eles terem alguma definição de privacidade para mim e para o meu irmão, espero que sim, não quero saber tudo da vida deles nas redes sociais, mas se aquela é mesmo a vida deles, são muito pouco interessantes. Ou então passam a vida a mandar recados um ao outro. Todos os pais dos meus amigos que se divorciaram há pouco tempo fazem isso também. Parecem uns miúdos.

E faculdade? Mas em que mundo é que eles vivem? Eles não falam com os amigos deles que têm filhos da minha idade? Alguns já sabem o que vão seguir, toda a vida sonharam ser engenheiros de sistemas ou médicos. Ou toda a vida os pais lhes martelaram a cabeça para serem advogados ou gestores.

Os outros todos, nós… nós sabemos lá o que vamos querer comer ao almoço, quanto mais o que vamos escolher na faculdade. Sei lá se vou para a faculdade ou se me apetece outra coisa qualquer. Se calhar vou ser youtuber. Quem é que disse que a faculdade é o melhor futuro? Quem é que lhes disse a eles que eu quero esse futuro para mim? Só se for pelo Erasmus…

Ainda não é meio-dia e o meu pai já me entrou no quarto três vezes. Uma delas sem bater à porta. Já me passei. Queria saber se eu estava acordado, depois se ia almoçar, agora se quero ir com ele correr. Não, não quero. Nem quero dar um salto à praia. Deve ir ter com a namorada nova e quer que eu a conheça. Precisa de que eu a conheça e que goste dela. É importante para ele.

Numa semana tenho a minha mãe a perguntar-me se o pai já tem namorada e como é que ela é. Na outra tenho o meu pai a querer combinar programas, como se eu fosse parvo e não o topasse. O meu irmão não lhe dá conversa. Ainda está zangado pelo divórcio. Aquilo passa-lhe. Quando fizer 14 anos vai passar-lhe. Eu mudei muito quando fiz 15. Já não penso como ele. Já nem gosto da conversa dele, mas é meu irmão e tenho de tomar conta dele.
Só queria que parassem de me chatear. De exigir coisas. Tenho de comer bem, dormir bem, falar bem.

Pensar nos estudos e não me agarrar ao telemóvel nem ao tablet. Tenho de fazer desporto como eles querem e ainda queriam que tivesse lido dois livros nas férias. Vá lá, tiveram a boa ideia de comprar uma data deles para eu escolher. Até compraram um autor brasileiro. O meu pai é um cota esperto, quer que eu leia coisas mais fora da caixa e confia em mim. A minha mãe não. Gostava que eu lesse os clássicos. E eu já lhes disse que não gramo ler, mas eles não percebem.

Um dia junto estas cenas todas que escrevo e mando-lhas. Para ver se passam a conhecer melhor o filho. Mas só queria que parassem de me chatear.