A saúde das mulheres é um dos investimentos mais produtivos do mundo

Texto Sara Dias Oliveira

Mais cinco euros por pessoa por ano nos 74 países em desenvolvimento, que concentram 95% do total das mortes maternas e infantis, geraria um retorno nove vezes superior em benefícios económicos e sociais até 2035.

Investir na saúde reprodutiva das mulheres é eficaz numa ótica de custo e benefício. E esse investimento nos países mais pobres do mundo permitiria prevenir cerca de 67 milhões de gravidezes indesejadas e reduzir a mortalidade materna em um terço.

Os dados são apresentados por Mónica Ferro, diretora da representação regional do Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA), em Genebra, uma das oradoras da Cimeira Mundial de Saúde que tem lugar esta quinta e sexta-feira no Convento São Francisco, em Coimbra.

Marleen Temmerman, diretora do Departamento de Saúde Reprodutiva e Investigação da Organização Mundial da Saúde (OMS), Waogodo Joseph Caboré, diretor do Programa de Gestão no Escritório Regional para África da OMS, e Jerker Liljestrand, diretor-adjunto para Saúde Materno-Infantil na Fundação Bill & Melinda Gates, são alguns dos convidados.

Se não houver investimento na saúde das mulheres e das raparigas, não há desenvolvimento global. Não há dignidade.

«O que estes e outros exemplos revelam é que investir na saúde sexual e reprodutiva de mulheres e adolescentes permite aproveitar o enorme potencial de mais de metade da população mundial. Dar-lhes a informação e os meios para decidir se querem constituir família, quando o querem fazer, o número de filhos que querem ter e o espaçamento entre as gravidezes, permite-lhes frequentar mais anos de ensino, adquirir competências profissionais e de negociação e poder ter uma voz na tomada de decisão nas suas sociedades e sobre a sua própria vida», diz Temmerman à NM.

Ter ou não ter acesso a serviços de saúde e a direitos fundamentais determina a segurança económica, a independência, a autonomia e o pleno desenvolvimento dos seres humanos. No entanto, o impacto é mais negativo nas mulheres e adolescentes.

«Aliás há aqui um fenómeno que é causa e efeito desta invisibilidade: as mulheres e as adolescentes não são contadas, não são alvo de recolha de dados desagregados que permitam perceber o fardo especial que carregam nem, pelo outro lado, o potencial por explorar que encerram. E o que não é contado, não é tido em conta, desde logo na decisão política e nos planos globais de desenvolvimento e de resposta às crises humanitárias», alerta a responsável.

«Não há um único país no mundo que possa dizer que atingiu a igualdade de género», diz Mónica Ferro, do Fundo das Nações Unidas para a População.

Investir na saúde das mulheres e das raparigas é um sinal de inteligência, apesar de, muitas vezes, ser visto com uma despesa, como um custo. «Sabemos que os casais e os indivíduos que podem decidir livremente se e quando querem constituir uma família, têm famílias mais saudáveis, investem mais na educação dos filhos e geram ciclos de saúde e bem-estar que libertam da pobreza.»

O acesso ao planeamento familiar voluntário é um direito básico, fundamental para a igualdade de género e para o empoderamento das mulheres. Um fator chave de redução da pobreza. Menos gravidezes indesejadas, menos abortos inseguros, menos mortes maternas.

“O investimento na saúde das mulheres enquanto fator de desenvolvimento nas sociedades” é um dos principais temas da Cimeira Mundial de Saúde que se realiza em Coimbra.

Os direitos de saúde devem estar contemplados no sistema universal. «Só assim se pode construir sociedades com mais dignidade para todas as pessoas, com um desenvolvimento que é sustentável e sem deixar ninguém para trás».

Mais trabalho, salários mais magros

Os inquéritos realizados em várias partes do mundo têm vindo a revelar uma elevada assimetria entre o volume e número de tarefas desempenhadas por homens e mulheres em casa, além de uma desigualdade salarial que persiste. Mais trabalho para as mulheres, dentro e fora de casa, e salários mais baixos.

«Além da denúncia e da visibilidade que deve ser dada a estes temas, do tratamento legislativo que os órgãos de tomada de decisão política entendam dar ao assunto, é preciso mostrar os benefícios de uma maior igualdade na partilha do tempo e das tarefas», afirma Mónica Ferro.

Há, por todo o mundo, situações de emergência humanitária. «Estou a falar de milhares de sobreviventes de violência com base no género e de violência sexual, mas também de mulheres e raparigas em idade reprodutiva, grávidas, lactantes. Recordo tanta vez o ar surpreendido de algumas pessoas quando digo que mesmo durante as emergências humanitárias, as mulheres ainda fazem sexo, ficam grávidas e dão à luz.»

«Há uma invisibilidade que tem que ser combatida e que deverá ser substituída pela garantia da adequada atenção e financiamento para esta área crucial».

Mónica Ferro tem várias histórias para partilhar. Como a da mulher que sofreu anos com uma fístula obstétrica porque não tinha dinheiro para pagar o bilhete de autocarro que haveria de a levar à capital para que pudesse ser submetida a uma cirurgia, barata e pouco complexa, que lhe permitiu recuperar a sua vida. Durante algum tempo, conta, «teve os seus direitos humanos negados e a sociedade perdeu parte fundamental do seu contributo.»