Mães que levam o trabalho para casa

Trabalhar em casa, com filhos? Não é impossível, garantem algumas mulheres. Por isso, e como as profissões que escolheram o permitem, optam pela solução possível: juntar a casa e o escritório debaixo do mesmo teto.

(E não, leitores, não nos esquecemos dos pais: mas esta história é sobre elas.)

CARLA CANTANTE E CLARA, 2 MESES

Quando era pequena, Carla passou grande parte do tempo ao cuidado da avó. Por isso, quando nasceu o filho António, hoje com 6 anos, optou por deixá-lo também ao cuidado da sua mãe, que estava disponível. Na altura trabalhava numa agência de publicidade: o dia fora de casa tinha horas para começar mas nunca tinha horas para acabar.

Cansada de uma profissão desgastante, Carla despediu-se e iniciou, em 2014, o seu próprio negócio com uma marca de produtos artesanais e design exclusivo para piqueniques. A decisão foi tomada numa altura em que ser mãe de novo não estava nos planos, mas acabou por permitir encarar a maternidade de outra forma.

«Trabalho mais do que antes, sobretudo dar conta do que se passa 24 horas por dia.» E os fins de semana e as férias também não lhe permitem «desligar» da mesma forma, mas a flexibilidade de horários permite-lhe tempo para a vida familiar. «Tempo para mim, tão tenho. Mas tenho mais para os meus filhos.» Às 16h30 e durante umas horas, acaba-se o trabalho. Vai buscar o filho e dedica-lhe uma série de horas. «E a Clara anda sempre comigo.»

Tem imenso apoio dos pais e quando o trabalho exige compromissos fora de casa é a eles que recorre por períodos de uma ou duas horas. Para tudo isto resultar, claro, há uma organização grande que implica planificar horas de reuniões, de trabalho em casa, até de idas ao supermercado. E se alguma coisa derrapa em algum dia, isso pode ter implicações na gestão da semana toda. «Talvez por ter ficado sozinha com o António quando ele tinha 2 meses, depois de me separar, transformei-me numa mãe muito descomplicada.»

De manhã, dá o biberão a Clara ao mesmo tempo que vai ajudando o António a vestir-se, almoça enquanto responde a e-mails e, à noite, faz o jantar com a filha junto a si, no sling, ao mesmo tempo que orienta o banho do mais velho. «Há dias que depois de estarem despachados, pelas 21h30, ainda regresso ao trabalho, outros, pelas 23h00 não adormeço, “morro”!» Pelas 6h30 da manhã, depois das noites mal dormidas que a Clara ainda dá, começa tudo de novo. E vale muito a pena.

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PATRÍCIA BRISSOS E SARA, 7 MESES

«Estava no quadro de direção de uma loja, tinha sido promovida há um mês, mas despedi-me para poder estar mais com a minha filha. Numa altura que só se falava de crise, toda a gente achou que eu estava doida.» Talvez não faltasse muito para Patrícia ficar deprimida se continuasse a trabalhar como trabalhava e a estar tão pouco tempo com a filha Carolina, de 1 ano. A ideia germinava há algum tempo, mas foi o fim da licença de amamentação (menos duas horas de trabalho diário) que precipitou a decisão.

Quando se despediu não fazia ideia do que ia fazer, mas aproveitando o facto de ter uma licenciatura em Português/Inglês acabou por fazer formação em tradução e revisão, área a que se dedica hoje. «Para mim, o trabalho é um veículo para outras coisas, não um fim em si. Gosto do que faço agora, mas tenho outras prioridades.»

Carolina acabou por ficar em casa até ter um ano e meio e agora, com 3 anos, embora já esteja na creche, Patrícia vai buscá-la pelas 16h30, para darem um passeio, brincar no parque ou estarem juntas em casa. «Estar com a Carolina e ouvi-la brincar e rir é uma das melhores terapias.» Entretanto, nasceu Sara, agora com 6 meses, que tem gozado do colo e companhia da mãe. Será assim até ter um ano e meio, quando deverá ir para a creche. Por agora, com a mais pequena em casa, o tempo de trabalho teve de ser reduzido, mas, além de conseguir aproveitar as sestas da Sara, consegue, se necessário, trabalhar com ela a dormir-lhe ao colo. «A revisão de livros é feita com o texto em papel. Se quero que durma um pouco mais, ponho-a a dormir ao meu colo e posso ir lendo e trabalhando com a mão livre.»

Mas é necessária muita organização para não haver distrações. Por isso tem algumas regras, como só consultar o e-mail duas vezes por dia, por exemplo.

Tudo isto foi apenas possível porque a situação profissional do marido é estável, mas implicou algumas cedências. «Mas tenho outra qualidade de vida: vejo as minhas filhas crescer.»

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CARLA SOUTO E MIA, 2 ANOS E MEIO

Antes de ser mãe, Carla achava que o natural era as crianças irem para a creche passados poucos meses. Mas quando se foi aproximando o final da licença depois do nascimento de Mia começou a sentir pensar de forma diferente. Custava-lhe a ideia de a deixar tão pequena, não acompanhar de perto os primeiros anos de vida. Deixou o trabalho com consultora na área empresarial e dedicou-se a traduções de inglês e espanhol, uma decisão que implicou outra de grande monta: mudar-se para a casa dos pais (separou-se pouco tempo depois de a filha nascer). «Aos 38 anos, não é uma decisão fácil, mas foi a minha opção.» Nunca tinha tido as finanças tão em baixo, custa-lhe gerir a perda de independência e teve de aprender a reajustar o orçamento, a fazer muitos cortes e a prescindir de muita coisa. Mas sente que vale a pena. «É o trabalho mais cansativo e exigente que alguma vez tive, mas é também o mais recompensador.»

Com Mia a exigir muita atenção e a fazer já sestas pequenas, Carla não consegue mais do que duas horas de trabalho por dia, sobretudo porque o trabalho de tradução lhe exige foco e cabeça fresca. No próximo ano letivo, Mia entrará para a pré-escola e pretende aumentar o trabalho que faz, uma vez que terá mais tempo livre. E equaciona um part-time, embora tenha noção de que a opção não abunde. Mas pretende manter a flexibilidade e a carga horária reduzida durante uns anos, para poder continuar a dedicar tempo à filha. «Muita gente diz-me: “Estás a abdicar da tua vida, deixaste de fazer as tuas coisas.” Agora quero é ser mãe. Ainda assim, o estigma social e os rótulos não doem mas moem.»

Carla admite que a opção requer paciência e criatividade. «É preciso de estar sempre a inventar coisas para fazer: pintar, fazer plasticina, levar ao parque, jogos e brincadeiras novas, tal como se ela estivesse numa creche.» Há momentos em que se sente farta, cansada, com falta de tempo para si porque, mesmo quando alguém da família pode ficar com a filha por um bocadinho, acaba por aproveitar para trabalhar ou fazer coisas pendentes. Mas não trocava os dias com Mia por nada.»

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A MÃE QUE ACONSELHA MÃES

Vive em Haia, Holanda, é colaboradora do jornal online Huffington Post e trabalha por conta própria, fazendo coaching a um público específico: mães trabalhadoras. Através do site elsaalexandra.com e recorrendo ao Skype, trabalha com mães de todo o mundo, de Nova Iorque a Hong Kong, que se debatem com um dilema frequente: conciliar carreira e vida familiar sem penalizar nenhuma. Um equilíbrio que Elsa Alexandra Razborsek, 32 anos, teve de encontrar primeiro para si própria. Depois da licenciatura em Engenharia Biológica, em Portugal (quando o apelido ainda era Rocha), fez investigação em França e trabalhou na consultora Goldman Sachs em Londres. Ao fim de quase quatro anos, começou a questionar-se.

«Gostava do que fazia, mas o equilíbrio vida-trabalho era um horror. Estava quase com 30 anos e queria uma família, mas nem um namorado conseguia manter com aquele ritmo de trabalho. Demiti-me.» Fez formação em coaching para perceber o que queria fazer da vida e fez um MBA na Holanda. E tudo se precipitou: «Conheci o meu marido, mudámo-nos juntos e tivemos uma filha.» Quando Ema nasceu, Elsa trabalhava na Shell, em Haia, depois de um convite durante o MBA. Mas após a licença de maternidade sentia que o tempo se esvaía. Tinha abandonado as sessões de coaching que fazia como hobby, e, apesar de estar numa empresa que lhe permitira negociar um regresso em part-time, sentia que o seu lugar não era ali. Voltou a despedir-se. «Comecei a fazer coaching a mulheres e, a partir de certa altura, era mais procurada por mães e preferia trabalhar com elas. Acredito que uma mãe realizada é melhor mãe. A carreira, além de ser importante para a independência financeira, influencia muito da nossa vida: onde vivemos, o tempo disponível, as pessoas que conhecemos.»

As mulheres que a procuram são profissionais de sucesso, com um grau elevado de educação e focadas no trabalho, que depois do nascimento de um bebé sentem um conflito interno: querem continuar a carreira, mas também querem ter tempo para a criança. Claro que a receita não é igual para todas: o equilíbrio pode estar em trabalhar em part-time, em regime de teletrabalho, por conta própria ou mesmo, para algumas, pôr de parte a culpa e arranjar um sistema de apoio com uma ama em casa que lhes permita continuar a investir sobretudo no trabalho. O ponto de equilíbrio de Elsa está em cerca de sete horas por dia, quatro dias por semana de trabalho a partir de casa e o restante tempo dividido entre si e a família. «Quando me demiti, Ema era mais pequena e ia ao infantário três dias por semana. Agora, é maior e eu tenho mais trabalho, vai quatro dias. O meu dia de trabalho é das 10h00 às 16h00 ou 17h00, vou buscá-la cedo.» Além do fim de semana, também as terças-feiras são dia de folga para mãe e filha: Elsa não trabalha e Ema não vai à creche. Ficam as duas em casa. «Podemos ser mulheres de sucesso e estar presentes como mães ao mesmo tempo.»