Unidos pelas tatuagens

Notícias Magazine

Texto de Catarina Guerreiro
Fotografia de Orlando Almeida/Global Imagens

É comum quando está em tronco nu na esplanada de uma praia que as pessoas se aproximem e olhem interessadas para a pintura que tem nas costas. Ali, desenhadas a preto e branco, estão imagens do icónico filme Laranja Mecânica, realizado por Stanley Kubrick.

Foram reproduzidas pelo tatuador Nuno Feio, de 42 anos, que nos últimos anos tem enchido o corpo de João Dias, de 30, de desenhos idealizados pelos dois. Nuno é um dos tatuadores mais conceituados do país: já ganhou 17 prémios nacionais e internacionais e um deles foi com o trabalho inspirado no filme: recebeu o primeiro lugar de costas inteiras no Festival de Lisboa, em 2015.

Os desenhos idealizados por Nuno e João têm sido levados pelo tatuador, no seu portefólio, a várias convenções no estrangeiro, onde se juntam os melhores profissionais do mundo nesta arte.

Já na edição de 2016, que decorreu em dezembro, arrecadou quatro prémios com duas tatuagens feitas nas pernas de dois outros clientes: uma retratava o Spud, do filme Trainspotting, e a outra era composta por duas personagens da série televisiva Vikings.

Mas João é, garante Nuno, o cliente que «mais tatuou até hoje», desde que em 2010 decidiu trocar de profissão, deixando de ser designer gráfico para se dedicar cem por cento à carreira de tatuador. Já lhe pintou o peito todo, a barriga, as coxas, as costas e agora está a trabalhar nas mãos e no pescoço.

Foi assim que, aos poucos, João se transformou na montra do trabalho do tatuador. Os desenhos idealizados pelos dois têm sido levados por Nuno, no seu portefólio, a várias convenções no estrangeiro, onde se juntam os melhores profissionais do mundo nesta arte.

Conheceram-se em 2014, quando João ficou rendido aos desenhos realistas do artista – o único português com uma cor de tinta da linha internacional World Famous Tattoo Ink com o seu nome (uma mistura de vários tons de cinzento e branco) e que abriu, em janeiro deste ano, o Graveyart Tattoo Studio, em Lisboa.

A complexidade da tatuagem premiada sobre a Laranja Mecânica aproximou tatuador e tatuado. «Foi um trabalho de nove meses».

«Ele é brutal e as tatuagens dele são muito boas e diferentes», diz João, recordando que a primeira tatuagem que fez com Nuno foi uma caveira com asas, no peito. Depois seguiu-se a barriga toda, onde está agora uma imagem «baseada na mitologia dos três macacos sábios», diz. Por serem tatuagens sucessivas, passa muito tempo deitado na marquesa e, enquanto Nuno cria, os dois conversam, ouvem música e partilham histórias.

«Apesar da diferença de idades fomos ficando amigos», explica Nuno, acrescentando que a complexidade da tatuagem premiada sobre a Laranja Mecânica reforçou a relação. «Foi um trabalho de nove meses», nota o tatuador. Primeiro procuraram imagens e elaboraram a «obra de arte» em computador, montando a história do filme e o desenho de que gostavam. Depois, Nuno transpô-lo do papel para as costas do cliente. «Começámos por desenhar o Beethoven», lembra Nuno. «Pois foi… e logo depois foram as quatro personagens principais», concretiza João.

Para concluir o enredo cinematográfico nas costas de João foram precisas 40 horas de trabalho, por isso estiveram juntos todos os meses, pelo menos, cinco horas seguidas.
Agora têm entre mãos outro projeto complexo e longo: estão a colocar a Criação de Adão, de Miguel Ângelo, que está na Capela Sistina, no pescoço de João. «Todas as tatuagens que faço têm um significado pessoal ou genérico, visual e histórico», descreve.

«No peito, por exemplo, onde está a caveira com asas e a palavra troublemaker, tem a ver com uma fase da minha vida; nas coxas tenho as mãos, o cérebro e o coração, para simbolizar a manipulação», explica João, formado em Sociologia mas a trabalhar como operador de máquinas no aeroporto. «Ele quase não tem espaço para tatuar», repara Nuno, lançando de imediato um elogio.

«O João é o cliente perfeito. Aguenta quieto e não reclama, mesmo nas zonas mais difíceis». É que decorar o corpo dos outros, admite Nuno, «é uma grande responsabilidade», e por uma simples razão: «A tatuagem é uma marca para a vida.»