Um francês, um americano e um russo entram num bar

Notícias Magazine

Qualquer jornalista sabe isto: o interior de um táxi é um dos melhores barómetros sociais do nosso tempo. Às vezes, numa conversa de dez minutos com um motorista, é possível perceber o mundo inteiro. Isto não tem nada que ver com a procura da verdade, até porque os argumentos não são sempre válidos. E isto não tem necessariamente que ver com partilha de ideias – há conversas que nem sequer cumprem os mínimos de educação. Uma corrida de táxi, no entanto, serve quase sempre para avaliar as preocupações, os entusiasmos e as indignações dos cidadãos. Porque é um espaço de intimidade apressada, a expressão de ideias é geralmente clara, concreta e concisa.

Até há uma década, eu tinha a sensação de que o espaço entre bancos traseiros e dianteiros se fazia relvado. Batiam-se bolas de trás para a frente, remates no sentido contrário, e o mundo que se criava naquela viagem era todinho futebol. A clubite tomava muitas vezes conta da conversa, inflamavam-se insinuações que não tinham qualquer fundamento, mas isso, na verdade, não interessava nada. Por norma, dentro de um táxi, interessa mais ter razão do que ser rigoroso. O problema é que, de repente, a conversa futebolística transferiu-se do interior dos carros para os estúdios de televisão. E aconteceu esta tragédia: o esvaziamento de praças inteiras do seu argumentário tradicional.

A partir de 2008, verdade seja dita, a preocupação dominante passou a ser a crise económica. De repente, o carro que era estádio transformou-se em bolsa de valores, onde se discutia o défice e a crise do subprime, a bolha imobiliária e as agências de rating. O país passou a falar uma língua nova – o economês – e em nenhum sítio isso era tão visível como no interior de um táxi. Há uns meses, e esse é um facto curioso, a conversa começou a mudar novamente. Reparei nisso na semana passada, quando o Candeias e a Patrícia me convidaram para jantar e eu apanhei um táxi para o bairro de Campanhã, no Porto.

«Um francês, um americano e um russo entram num bar, o que é que acontece a seguir», perguntou-me o motorista a meio do trajeto. Depois de eu admitir que não sabia a resposta, ele esclareceu: «A III Guerra Mundial.» Trump é presidente há cem dias, Putin parece estar no poder há cem anos, Le Pen passou à segunda volta em França. Naquela viagem de táxi, naqueles minutos de intimidade apressada com um desconhecido, chegámos à conclusão de que o tempo que vivemos não anuncia nada de bom – como se o mundo estivesse a encher os pulmões de ar, antes de um mergulho.

Mais tarde, já depois do jantar, fomos fumar cigarros para a varanda. Ainda não tinham passado cinco minutos e o Candeias grita: «É agora, é agora, vai passar.» No céu negro vimos um ponto de luz atravessar a noite em movimento contínuo. Permanecemos silenciosos durante minutos, a observar o grande espetáculo do génio humano.

A Estação Espacial Internacional alberga neste momento cinco ocupantes. Dois são americanos, dois são russos, um é francês. Enquanto eu fumava o meu cigarro e olhava para o céu, dei por mim a pensar que um francês, um americano e um russo, quando entram num bar, podem muito bem dar cabo do mundo. Mas também podem acrescentar à nossa espécie uma demonstração inegável de talento. Nessa noite, no Porto, eu perdi e recuperei a minha esperança na humanidade.