Surfemos esta onda

Notícias Magazine

A história do surf em Portugal conta um pouco da ligação de Portugal ao mar – não uma paixão profunda, antes um complexo romance, que combina amor e ódio em partes nem sempre iguais. O mar deu-nos a personalidade e o lugar na História do mundo. Determinou como somos, o que comemos, o clima, e, talvez, como amamos. Limitou-nos e deu-nos asas. Ou seja, fez-nos sonhar mas também nos castrou os sonhos. É uma presença tão presente que se torna por vezes opressiva. Outras, libertadora.

Tudo isto é ainda mais verdade nas ilhas onde nasceu o surf em Portugal, os Açores, onde o mar é cruel e doce, as casas são construídas de costas voltadas para ele, mas as populações fizeram dele o seu sustento e via para uma vida melhor. Foi na Ribeira Grande, na costa norte da ilha de S. Miguel que, nos anos 1940, Carlos «Garoupa» Medeiros mandou fazer uma prancha de madeira a um marceneiro amigo.

Essa prancha que foi desenhada num esquiço copiado dos filmes americanos e talhada em criptoméria, o pinho das ilhas, terá sido a primeira portuguesa. Foi nela que «Garoupa» aproveitou o rebentar das ondas como energia, se empinou para deslizar sobre o mar, como tinha visto em imagens estrangeiras, sobretudo do Canadá e EUA onde tinha familiares emigrados.

Uns quantos anos mais tarde, em 1959, Pedro Martins de Lima comprou a primeira prancha de fibra e a começou a «surfar» nas praias da Linha do Estoril. E foi ele quem abriu o caminho para o que hoje entendemos como o surf. Custou um bocado a aqui chegar, como contamos na Notícias Magazine. Não foi de um momento para o outro uma etapa do principal circuito mundial, com os 34 melhores do mundo e o título mundial da modalidade.
Parte da dificuldade em aqui chegar tem a ver com a maneira como Portugal olha para o mar na modernidade: de cernelha.

Sempre desconfiado, sem perceber a riqueza que ali está. Foi preciso tomar consciência disso para que começassem a despertar também os poderes e forças da sociedade que transformaram o mar numa peça fundamental deste puzzle que é Portugal. E aí o surf tem hoje papel principal.

São muitos os nomes ligados a esta história, todos da chamada sociedade civil, gente que não se importou com falta de condições e de atenção, gente teimosa que o mar conquistou. E, como sabem os poetas há milénios, quando o mar conquista não larga o feitiço. Três ou quatro gerações de surfistas não desistiram até que o surf, muito por causa de alguns mais bem sucedidos, como Herédia, Antunes, Charneca, Matta, Gregório, ou Tiago Saca Pires e a geração Lightning Bolt, se tornou um assunto nacional.

Assim apareceram as escolas de surf quase profissionais, os centros de treino de alto rendimento e localidades que se renderam à evidência de que o surf não só era um bom ex-libris e atraía turismo como também era um ótimo negócio. As ondas de Peniche, a Praia do Norte, na Nazaré, e Garrett McNamara fizeram o resto.

E hoje o surf faz parte da nossa personalidade, da imagem que o mundo tem de nós. E é bom. O surf, a sua alegria e a sua alma são bons herdeiros dos outros tempos em que fomos grandes, também através do mar.