«Há mais de mil sismos por ano em Portugal»

Texto de Ricardo J. Rodrigues | Fotografia de Orlando Almeida / Global Imagens

Fernando Carrilho é o principal responsável pela vigilância sísmica do país. Chefe da divisão de Geofísica do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, dirigiu a divisão de Sismologia do Instituto de Meteorologia e coordenou o projeto de modernização da rede sísmica nacional. Engenheiro geofísico, com mestrado em Ciências Geofísicas, tem créditos internacionais na investigação em sismicidade, sismotectónica e atenuação sísmica.

 

Com que frequência ocorrem sismos em Portugal?

Junto ao território nacional registam-se, em média, mais de mil sismos por ano. Na sua maioria, são terramotos pequenos, que não são sentidos pela população. Quando são maiores, ocorrem a grande distância de terra, por isso os seus efeitos são reduzidos. Dos mil sismos, apenas cinco a 15 são sentidos.

O território nacional está numa zona de risco e os sismólogos falam de ciclos em que ocorrem grandes tremores de terra. Tendo em conta que é possível fazer previsões, estamos em que ponto do ciclo?

_ Há períodos de recorrência que nos dão uma ideia da frequência com que ocorre um determinado fenómeno sísmico. Pelo que sabemos, o período de recorrência de um terramoto como o de 1755 é de três a quatro mil anos. Isso não significa que, por ter acontecido há 260 anos, só volte a acontecer daqui a três milénios. É imprevisível. Não sabemos se vai acontecer amanhã ou daqui a uma semana.

No caso do terramoto de 1755 aconteceu o pior que podia acontecer?

_Sim, se pensarmos que foi um grande terramoto, seguido de um grande maremoto e depois de um enorme incêndio. O que aconteceu foi a rutura simultânea de duas falhas a sudoeste do cabo de São Vicente – a falha do Marquês de Pombal e a falha da Ferradura. E o facto curioso é que Lisboa e o Vale do Tejo são conhecidos por terem falhas sísmicas, que provocaram os terramotos de 1909 e 1531. Este de 1755 teve uma origem diferente – e efeitos devastadores. Apesar de não haver instrumentos de medição na altura, calcula-se que tenha tido uma magnitude de 8,7.

Qual foi o último grande sismo em Portugal?

_Foi a 28 de fevereiro de 1969. Teve magnitude de 7,9 na escala de Richter, que é sensivelmente o mesmo valor daquele que ocorreu agora no Nepal. Simplesmente a zona de geração foi afastada do continente e em área submersa, 200 quilómetros mar adentro. Ora, ali não há construção nem pessoas. As ondas atenuam o efeito do terramoto e, mesmo assim, o impacto foi muito grande no Barlavento Algarvio, onde se registaram 15 mortes. No resto do território, e particularmente em Lisboa, gerou um enorme pânico – aconteceu às 02h40 – e algumas derrocadas. Se tivesse acontecido um pouco mais próximo de terra, os efeitos seriam seguramente devastadores.

E teria sido possível avisar as pessoas com alguma antecedência? Qual é o grau de previsibilidade das estações sísmicas?

_Não se consegue prever um sismo. Há alguns indicadores, simplesmente não são generalizáveis. Entre os anos sessenta e oitenta do século passado, a comunidade científica acreditava que era possível desenvolver uma metodologia de previsão sísmica. Tentaram sistematizar os padrões de atividade sísmica, padrões específicos, inclusivamente testaram-se métodos absolutamente empíricos, como a observação do comportamento dos animais. Tentou-se tudo, mas chegou-se à conclusão de que não se consegue prever. Não há padrões suficientes para se conseguir dizer que vai ocorrer um sismo. Os instrumentos funcionam em tempo real, e temos 52 estações em Portugal. O que podemos prever com uns segundos de antecedência são terramotos que ocorrem a uma certa distância, onde estão instaladas estações sísmicas. Apesar de as ondas sísmicas se propagarem a grande velocidade – sete, oito quilómetros por segundo –, ganham-se alguns segundos, o que permite fazer avisos rápidos para a proteção civil e pouco mais. Mas é importante – a proteção civil tem planos de emergência que têm de ser ativados em função dos nossos relatórios. Quanto mais cedo conseguirmos identificar a gravidade de um terramoto, mais rapidamente são postos em ação os planos de emergência e as operações de socorro.

No que toca a construção, estamos preparados para um grande sismo?

_Existe construção de diferentes épocas. Em Portugal, os primeiros regulamentos de construção antissísmica são dos anos 1950 e, em teoria, se as regras tiverem sido respeitadas, são mais seguros esses edifícios. Ainda mais após 1983, quando os regulamentos sofreram grandes atualizações. Mas é mais difícil saber quais os edifícios que foram construídos segundo as regras.

Quais são as zonas do território com maior risco?

_A Madeira tem uma perigosidade sísmica quase residual, o risco é bem menor do que no continente ou nos Açores. Aí, as ilhas mais sensíveis são Terceira, Faial, São Jorge e São Miguel – que por acaso são as mais habitadas. Depois, em Portugal continental temos uma atividade sísmica menos frequente do que nos Açores, mas mais intensa, com magnitudes mais elevadas. O Vale do Tejo e o Algarve são sem sombra de dúvida as zonas de maior perigosidade. Quanto mais para norte e para o interior estivermos, menor o risco de ocorrência sísmica.

Estamos a falar de algumas das zonas mais urbanas do país, que nomeadamente têm pontes, arranha-céus. Construção à parte, os edifícios mais altos estão também mais expostos?

_Sim. Imagine um pêndulo ao contrário, a base mantém-se relativamente mais estável do que o topo. Em 2009, houve em Lisboa um sismo de magnitude 6.0 que as pessoas que viviam em arranha-céus sentiram com maior intensidade.

O Porto não é uma zona de risco elevado, mas Lisboa sim. E, aí, onde é que estão os territórios mais perigosos?

_O Serviço Nacional de Proteção Civil fez há anos um trabalho em que identificou exaustivamente as zonas de risco na Área Metropolitana de Lisboa, que é a zona de maior densidade populacional do país. Além da proximidade às falhas – e temos a de Vila Franca, a do Pinhal Novo e a de Samora Correia-Alcochete, que já causaram grandes estragos em 1531 e 1909 –, há que ter em conta os terrenos onde está edificada a construção. Regra geral, quanto mais macios são os solos, maior é o risco de derrocada. As zonas próximas de antigas ribeiras e linhas de água são sempre mais vulneráveis.

Devemos ter comportamentos diferentes se formos apanhados por um sismo dentro de casa ou na rua?

_Há aquela máxima eterna: nunca devemos entrar em pânico. Se estivermos dentro de um edifício, devemos proteger-nos contra os objetos que possam derrocar ou os vidros que se possam partir. Por isso, não é má ideia escondermo-nos debaixo de uma mesa robusta, ou da cama. Nunca utilizar elevadores nem usar as escadas durante o tremor de terra, e preferir a ombreira da porta ao centro da sala. Ou seja, durante o sismo, a prioridade deve ser sempre a autoproteção. Se estivermos na rua, é precisamente o contrário, devemos procurar uma clareira, longe de edifícios e de objetos urbanos, como candeeiros ou postes elétricos. Mas também se deve planear o sismo. Ter água engarrafada e conservas em casa e planear um ponto de encontro com a família, para o caso de as comunicações serem cortadas.

Em 1755, a um terramoto enorme seguiu-se um tsunami. Temos um risco elevado de voltar a sofrer um maremoto?

_Não diria elevado, mas o risco existe. Temos indicadores de que no passado ocorreram outros tsunamis. Entre os anos 60 a 65 a. C. há alguns relatos importantes de um maremoto que atingiu a costa portuguesa. Simplesmente na época não existia a concentração populacional que verificamos hoje junto à orla marítima. E o que é que isso nos diz? Que temos um risco moderado de sofrer outro fenómeno como o de 1755, mas também que estamos extremamente expostos e somos muito vulneráveis. As cidades são construídas junto à costa, portos, indústria. Imagine que um maremoto atinge o Algarve em agosto. A nossa exposição a um fenómeno natural destes é que é enorme.