Quando o Festival da Canção ficou mais doce

Em dia de final do Festival RTP da Canção, memória de um quarteto criado para agitar mentalidades, ganhar concursos e vender discos. O percurso das Doce encheu-se de episódios caricatos e sobressaltados, com êxitos evidentes e sem sucessão.

A ideia musical já vinha de décadas anteriores, a sua «tradução» é que ainda não se fazia de forma tão explícita, faltando ainda a expressão girls band. Certo é que, nos primórdios de 1980, o meio musical era abalado pela agressividade sensual das Doce. As quatro originais – Fátima Padinha, Teresa Miguel, Lena Coelho e Laura Diogo – somavam um raro cuidado com a imagem, que passava pela relação exclusiva com um criador de moda que as ia dotando de sucessivos visuais, com o tom malandreco ou provocador das cantigas, carregadinhas de innuendos pouco comuns à época.

Tózé Brito, Nuno Rodrigues, António Pinho, Mike Sergeant e Pedro Brito estavam entre os autores de serviço às Doce que, naturalmente, apostavam fortemente na presença de palco. Concebido para ganhar o Festival RTP da Canção, o grupo só conseguiu o feito à terceira tentativa, em 1982, com Bem Bom (depois de um segundo lugar na estreia, em 1980, com Doce e de um desastroso quarto lugar com Ali Babá, em 1981, ano em que nessa canção se jogaram todas as fichas… e ganhou Carlos Paião).

Na despedida dos festivais, em 1984, o posicionamento já tinha mudado – o tema que defenderam, Barquinho da Esperança, era assinado por Miguel Esteves Cardoso e Pedro Ayres de Magalhães – mas perdera o interesse para o grande público. Pelo meio, houve episódios para a antologia de mitos urbanos: uma putativa cena de uma das cantoras com um futebolista em alta, na época, ou a ideia de que, dos quatro microfones de palco, havia um sempre desligado, para não estragar o trabalho alheio. Hoje ainda se vão repetindo algumas canções do reportório Doce, que ainda chegou aos 250 mil discos vendidos. A missão foi cumprida. Comprida é que não foi…