O pai mais cool do Brasil

Jornalista, palestrante, cronista, apresentador de programas de rádio, dinamizador, provocador. Mas o que Marcos Piangers gosta mesmo de ser é pai. As duas filhas dão-lhe o pretexto ideal para reflexões sobre o papel do homem na família, a partilha de tarefas em casa, as dúvidas sobre a paternidade e parentalidade. Os vídeos que faz já foram vistos mais de trinta milhões de vezes e os livros que escreveu já ultrapassaram os 150 mil exemplares vendidos no Brasil. O primeiro, O Pai é Top, é agora lançado em Portugal.

Entrevista de Paulo Farinha


Em novembro de 2015, em Porto Alegre, fez uma apresentação numa conferência TEDx. A sua palestra, «Do Que Minhas Filhas Precisam», tem 6m30s e já foi vista mais de 15 milhões de vezes em pouco mais de um ano (pode ver o vídeo abaixo). Imaginava que teria essa repercussão?

Eu dou palestras há uns quatro anos, sempre ligado à criatividade, inovação, tecnologia. Estou habituado a falar para muitas pessoas. Mas como as conferencias TED são tão emocionantes e impactantes, aquele palco é quase sagrado, eu resolvi contar uma história que nunca tinha contado. A do abandono do meu pai biológico e o câncer da minha mãe. Entrei no palco com a voz já embargada.

Não é pediatra, nem pedagogo nem professor, nem especialista em desenvolvimento infantil. No entanto, tem milhares de seguidores nas redes sociais, os seus vídeos têm milhões de visualizações, os seus textos sobre parentalidade têm milhares de partilhas, os seus livros já venderam mais de 150 mil exemplares. Por que acha que isso acontece? Porque as pessoas se reveem? Porque as emociona?
Porque se identificam. Nunca abracei um discurso teórico, académico, que não fosse meu. Tudo o que eu falo foi vivido por mim ou é algo em que acredito. E mesmo quando vivi algo que está errado, as pessoas sentem algum tipo de conexão, por conta dessa vulnerabilidade e dessa abertura de dizer «não sei». Arrisco dizer que nem pediatras, nem educadores, nem professores, nem cientistas sabem de facto muitas das coisas que eu não sei. Está todo mundo descobrindo, tateando, e quanto mais a gente se abrir e quanto mais sinceros formos, melhor. A gente vai entender que todo o pai tem dúvida sobre educação, segurança, liberdade ou tecnologia.

O que o atrai nisso? O facto de tocar a vida das pessoas e poder influenciá-las?
Todo o mundo que produz conteúdo gosta de saber se aquilo teve algum sentido na vida dos outros. Porque se tem sentido na vida dos outros, então tem sentido na sua vida. E eu acho importante ouvir o que as pessoas têm para me dizer. Quando falo da minha dificuldade para entregar a minha filha na creche ou em entender a adolescência ou em falar sobre sexo com crianças… são questões em que preciso de outros pais me falando sobre isso. Eu aprendo muito. Às vezes fico chocado, outras impressionado, mas sempre agradecido pelo que me dizem.

Aproveita muito do que lhe dizem? Das ideias e perguntas e sugestões que chegam de fora?
Depende. As ideias que me mandam são muitas vezes pesadas. Por exemplo, me pedem para falar sobre abandono parental, sobre adoção… E fica complicado para mim, para tentar não ser desrespeitoso com ninguém, porque eu não conheço essa realidade. Ou me pedem para falar sobre escola pública. Estudei em escola pública, mas as minhas filhas não, e então fico o tempo todo imaginando como posso falar daquilo de forma genuína. Já cometi o erro de falar sobre coisas que não são do meu universo mas prefiro falar do que me toca.

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Correu mal, nesses casos?
O texto fica sem sentimento. Você está simplesmente fazendo uma tese teórica sobre alguma coisa que não pode ser teórica. A paternidade, a relação com os filhos, é emocional, é sentimental, precisa de ter ranho e lágrimas, para ser memorável.

Fala muito sobre a necessidade de parar, abrandar, para poder dar atenção aos filhos. Isso é muito presente no que escreve.
Acho que é importante não desperdiçar esses momentos de reflexão. Muitos pais – e eu durante muito tempo fui assim – vão vivendo a vida, empurrando com a barriga, pensando nos problemas que virão, reuniões, horários, preparar refeições, etc. Uma rotina de ansiedade e expetativa, sempre a pensar no futuro. E não estamos presentes no que estamos a viver e não degustamos essa trajetória. Com o tempo vamos percebendo que o dia-a-dia tem um prazer. E não gostaria de o desperdiçar.

Cresceu sem conhecer o seu pai biológico e sem uma referência paternal presente. Já escreveu sobre isso e já falou disso publicamente. Isso influenciou a vontade de ter filhos?
A minha mãe teve outro relacionamento, um padrasto, que não era uma figura muito carinhosa. E as pessoas por vezes me dizem que por eu não ter tido pai, hoje sou um bom pai. Discordo completamente disso. Se tivesse tido um bom pai, um pai carinhoso e presente, aí sim, eu seria um pai melhor ainda, mais carinhoso, mais amoroso, mais presente. Por eu não ter tido pai, a tendência, a probabilidade, seria que eu também me furtasse das responsabilidades. E muitas vezes acho que falhei por não ter tido pai e por não ter tido um referencial. Alguém com quem falar nas minhas dúvidas.

Tem muitas dúvidas, quanto ao que fazer, os passos a dar?
Todo o dia tenho dúvidas. Se estou sendo duro com as minhas filhas, se escolhi a escola correta, se estou acertando na educação delas, se, quando falo alguma piada, não estou a insistir numa versão mais cínica e sarcástica do mundo, se tive alguma influência no facto de a minha filha mais velha não acreditar em Deus, se tive alguma influência no facto de a mais nova acreditar em Deus e unicórnios. Todo o tempo tenho dúvidas.

Sempre quis ser pai, desde que se lembra?
O meu avô não aceitou que minha mãe fosse mãe solteira e ela mudou de cidade e me criou longe da cidade onde cresceu. Por isso, nunca tive uma casa cheia, bagunçada, com muita família. E essa sempre foi uma vontade minha. Portanto, sempre quis ter criança por perto. Sempre quis ter bagunça, chichi, cocó, choro, grito, lágrimas, ranho. Sempre quis dar para crianças aquilo que eu não tive.

Faz palestras, escreve crónicas, escreve livros, tem um programa de rádio. O que prefere fazer, entre tantas coisas?
Um professor na faculdade me falou uma coisa que nunca esqueci. «Não se deixe envolver pelo que os outros querem que você faça, faça o que você acha que é interessante fazer e explore suas potencialidades profissionais de forma autoral.» E em toda a minha carreira tentei fazer isso. Tudo o que eu fiz na vida – como televisão –, quando eu não gostei, pedi para sair. Ou tirava muito tempo da minha vida com as minhas filhas, ou não me satisfazia ou não tinha impacto nas pessoas ou não era simplesmente divertido… Então hoje faço coisas que realmente gosto de fazer. Escrever me emociona e tem impacto na vida das pessoas, trabalhar na rádio é uma terapia, trabalhar em audiovisuais, como vídeo, também tem um impacto grande. Hoje eu posso fazer tudo. Inclusive palestras.

Escreve muito sobre o dia-a-dia, o quotidiano. O que vê, o que as suas filhas lhe dizem. Como é que toma nota das coisas? Das ideias que lhe surgem? Anda sempre com um bloco?
Anoto num bloco de notas, que tenho comigo. Tenho aqui mil frases das minhas filhas. Ou no [telefone] celular. O que tenho à mão. A última é da minha filha Aurora [4 anos]. Ela ralou [esfolou] o joelho e me contou. Perguntei como ela tinha feito aquilo, como foi o acidente. E ela me mostrou. «Foi assim.» E fez o mesmo, com o outro joelho, para me explicar. Agora ela está com os dois joelhos ralados. Esse tipo de situação é tão divertido. E alguns pais deixam isso passar. Eu gosto de trazer alguma reflexão para este tipo de coisas. As mais divertidas.

Se não tomamos nota dessas coisas na hora, esquecemos. Mesmo que pensemos que nos vamos lembrar mais tarde, ao fim do dia ou mesmo daí a uma hora, se não tomamos nota e guardamos, vamos esquecer.
Eu esqueço segundos depois. É incrível. Ontem a minha filha disse uma coisa engraçada e poucos minutos depois eu esqueci. Perguntei para a irmã o que a Aurora tinha dito, ela me disse, e cinco minutos depois esqueci de novo. Se não anotar, com certeza vou esquecer toda a infância das minhas filhas. É como as fotos. A gente tira fotos para lembrar das coisas. Eu gosto de tirar, para lembrar que fui naquele lugar, naquele dia, e fizemos alguma coisa interessante.

E depois ficamos com centenas, milhares de fotografias no telemóvel, que nunca vamos conseguir organizar. Descarrega isso tudo?
Sim. São muitas. Uso o Google Photos, que manda minhas fotos todas para a nuvem, com umas funcionalidades incríveis. Você só coloca o nome da sua filha e ele acha todas as fotos dela. É incrível. E vejo fotos da Aurora bebé e da mesma Aurora com 4 anos. O algoritmo é incrível.

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Isso não o preocupa? Essas fotografias todas da sua filha, numa nuvem, uma coisa longínqua, a que alguém pode aceder.
Obviamente. Claro que me preocupo. É evidente. O Google está me dizendo: «Me manda essas fotos. Deixa que eu cuido delas.» Não sei quem está cuidando das minhas fotos no Google. Mas o tempo todo fico me colocando na condição de um grão de areia que vai passar oitenta anos nesse planeta, que tem milhões de anos, e que todas as nossas preocupações referentes à eternidade acabam sendo pequenas. Quero acreditar no Larry Page e que essas fotos todas das minhas filhas estejam protegidas.

Temos acesso a tanta tecnologia, tanta informação. Sabemos tanta coisa hoje em dia. E até já somos capazes de falar dos problemas. Não temos vergonha de os abordar. Qual é, então, o maior desafio para um pai hoje em dia?
Um dos maiores é parar de correr. A gente está sempre correndo. Sempre na correria. Você pergunta para alguém: «Como vai?» E ele responde: «Correria.» «Como é que está o trabalho?» «Correria.» Como está sua agenda?» «Correria.» Estamos sempre trabalhando e sempre na correria, o tempo todo. Por conta disso, a gente nunca está onde a gente está de facto, vamos empurrando com a barriga, apagando incêndios diários, esquecendo de aproveitar esses pequenos presentes que os filhos dão todos os dias.

Há uma grande preocupação por parte dos pais, hoje em dia, para que os filhos sejam boas pessoas. Seres humanos decentes, com valores e princípios. Além de querermos que eles estudem e se formem e tenham cursos e possuam ferramentas para os preparar para a vida profissional. Sente isso da parte das pessoas com quem fala?
Sinto. Esta é das gerações mais interessadas nesse tipo de coisas, sobretudo os homens – as mulheres já se preocupavam com estas questões há algum tempo. A gente se preocupa em formar crianças mais humanas, mais bondosas, mais gentis do que a nossa geração. Queremos que esses filhos sejam os da geração que vai mudar as coisas no futuro, mudar o mundo para melhor. Acho que todo o mundo está preocupado com isso.

Também já somos capazes de verbalizar melhor esses desejos e esses sentimentos. Já falamos em amor com naturalidade.
O nosso principal erro é achar que amor demais faz mal. Ouço amigos meus dizer que «o meu pai nunca ia num jogo de futebol meu e eu vou em todos os jogos do meu filho, estou com ele, torço por ele, abraço ele…» E um amigo me perguntou: «Será que isso é bom?» Digo que sim, claro que é bom. Quanto mais você estiver junto, quanto mais amor e segurança você der, e quanto mais referencial de gentileza e humanidade e doçura você puder dar para uma criança, mais segura ela vai crescer. E provavelmente vai aplicar na vida dela.

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A sua editora em Portugal quis lançar o livro agora e trazê-lo cá nesta altura por causa do Dia do Pai. Em Portugal, nesta altura, há muita publicidade com sugestões para o Dia do Pai, mas muitas ainda bastante estereotipadas. E no Brasil?
No Dia dos Pais, aqui, todos os shopping centers e lojas e marcas querem falar para os pais. Então os presentes são kits de churrasco, uma camiseta de futebol e cerveja. Este ainda é muito o conceito de homem para a publicidade brasileira. É muito assustador. Você vai dar umas facas e cerveja para um cara que pretensamente vai cuidar do seu filho, completamente alcoolizado e com utensílios muito perigosos, assistindo o seu jogo de futebol, o que muitas vezes o deixa meio nervoso. Me incomoda como a publicidade gosta de padronizar o homem. Essa visão do pai provedor, o que paga contas, que não sabe muito sobre as coisas em casa, porque quem percebe disso é a mãe.

Durante muito tempo era visto assim, também na publicidade…
Por muitos anos isso aconteceu de facto, era o que a maioria dos pais se propunha fazer, especialmente naquela ideia de família americana pós-guerra, em que a mulher ficava em casa cuidando das questões familiares e o homem saía para trabalhar. Mas a gente viveu algumas décadas, em que a mulher já entrou no mercado de trabalho mas o homem ainda não se apropriou do seu papel em casa.

Acho que são cada vez menos as coisas que o homem não faz ou faz menos. O pai hoje é mais interventivo, assume mais as suas responsabilidades. Mas a diferença ainda é grande…
Estou falando de questões que ao homem são muito distantes, como lavar louça, trocar fralda, dar banho, ir em reuniões de colégio, falar sobre questões fisiológicas com os filhos, as mudanças nos relacionamentos sociais, criar e educar o filho sozinho, ajudando a sua esposa a estar no mercado de trabalho. Ou seja, tomar a iniciativa de dizer: «Não, deixa que eu falto no meu trabalho.» Isso simplesmente não acontece na vida do homem. É um tabu estabelecido. O homem nem é incentivado a fazer isso nem tem um referencial. Nunca viu isso acontecer.

E quando fala disso com outras pessoas, elas estranham.
Não sei se já aconteceu isso com você. Estar num evento social com suas filhas e as pessoas perguntam: «Hoje você está de baby-sittter?» E não, eu não estou de baby-sitter! Eu tive uma participação muito divertida na conceção dessas meninas. E depois disso tenho uma participação não tão divertida, mas de muita responsabilidade. Sempre que vou a reuniões escolares, fica aquele mal-estar, porque a maioria das pessoas lá são mães. E muitas vezes as mães gostam de falar mal dos pais. E é importante ter um pai lá, uma espécie de espião da categoria.

Ainda é preciso alertar muito para estas questões? Acender muito os holofotes sobre estes temas.
Todas estas questões são importantes de discutir, porque são modernas. São atuais. Acontecem pela primeira vez nessa geração. Nós, homens, não temos uma licença de paternidade comparável à licença de maternidade…

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Quantos dias de licença de parentalidade para o pai, no Brasil?
Cinco dias. Eram três dias, passou para cinco. A discussão aqui é aumentar para vinte. Algumas empresas já trabalham com vinte dias. Para as mulheres são seis meses, no máximo. A disparidade é muito grande. O homem devia ter mais tempo do que tem, para participar nas responsabilidades igualmente.

Isso pode fazer a diferença?
Claro. Se você vai num banheiro público e o fraldário fica no banheiro feminino, você está recebendo um recado: «Não precisa trocar fralda, deixe a sua mulher trocar fralda.» Eu cansei de ser expulso de banheiro masculino porque eu estava entrando com uma criança que é menina. Cansei de trocar fralda em praça de alimentação de shopping por não ter fraldário no banheiro masculino. Eu sou a favor de licença de paternidade igual à licença de maternidade porque acho que é um recado que é preciso dar. O tempo todo a gente ouve recados sociais de que a gente não precisa de participar tanto. Você já reparou que todas as bonecas de criança dizem «mamãe, estou com fome, mamãe estou com sede, mamãe tenho frio» e nem uma boneca, de nenhuma marca diz: «papai»? É mais um recado que a gente recebe: cuidar de criança, trocar fralda, mudar a roupa é coisa de «mamãe».

Em sua casa, como gerem isso? Na sua família, quem passa mais tempo com as filhas? O Marcos ou a sua mulher?
Acredito que é a minha esposa. Ainda. O meu design de vida é passar cada vez mais tempo com as minhas filhas.

Vocês têm uma filha com 11 anos, outra com 4. Ao longo dos anos, qual foi o momento mais complicado de gerir na dinâmica do casal, por causa dos filhos?
Foi quando nasceu a minha segunda filha. Estava no auge da minha carreira, estava fazendo muitas coisas, recebendo muitas propostas, viajando muito. Nós, homens, somos treinados culturalmente para isso. Para produzir, para ganhar dinheiro. E a gente sente prazer quando isso acontece. Eu dizia para minha esposa: «Quem me dera passar tanto tempo com a minha filha.» Mas é um discurso falso que os homens utilizam para passar para as mulheres a ideia de que aquilo é uma vida muito boa, isso de ficar com as crianças, poder curtir o crescimento das filhas. Esse foi o momento de tensão maior. Não fui um pai tão bom quanto poderia ser e quanto a minha mulher me cobrava.

As coisas acalmaram depois?
Se eu tivesse um pai, ele teria dito que eu estava fazendo mal, trabalhando de mais, devia estar mais presente em casa. Foi minha esposa que teve de fazer essa catequese para que eu me esforçasse para equilibrar trabalho, produtividade e vida familiar, e voltasse a estar em casa, emocionalmente em casa.

Qual foi o truque dela?
Ela conversou muito comigo. Falou muitas coisas. A minha filha tinha 1 ano. Pela primeira vez, a gente falou em separação. Eu olhava para a minha vida e olhava para a minha casa e pensava: «Se me separar, nunca mais vou acordar com essas meninas do meu lado. Se me separar, não vou poder dar banho nelas todos os dias, não vou poder dar comida todos os dias.» E aí foi o momento em que eu percebi que nós, homens, procuramos outras mulheres, mas procuramos uma coisa que não existe. Alguma coisa que a gente foi treinado desde pequeno a procurar: a mulher perfeita, gentil, maravilhosa na cama, na cozinha… Uma busca incessante de achar que a grama do vizinho é sempre mais verde, que existe algo que é incrível e que a gente não está vivendo. Mas é uma mentira que colocam na nossa frente. E com o passar do tempo a gente aprende que para todas essas mentiras, para todos esses problemas que os casais passam, você tem uma opção. É dizer: «Vou ser um homem melhor, mais participativo, vou ser um pai melhor. E vou abrir mão das reuniões pretensamente produtivas para ter uma vida familiar emocionalmente mais equilibrada.»

Foi a ideia de se ver sem as suas filhas no dia-a-dia que o fez abrandar a vida profissional?
Sem dúvida. E posso dizer que não há decisão melhor para um homem. Perceber que se a sua vida profissional atrapalha a sua vida familiar, optar pela vida familiar é a melhor alternativa.

Admitindo que gostam um do outro, claro. Às vezes o desgaste na relação já é tão grande, o dia-a-dia já roeu tanto o que os une, que às tantas as pessoas pensam que já não têm tanto onde agarrar. E um filho não salva um casamento.
Um filho não salva um casamento, mas é importante que as pessoas entendam que a separação de um casal pode ser uma celebração, uma liberdade para os dois, mas o filho ficará para sempre. Aquela separação, aqueles desencontros amorosos têm de ser colocados em segundo plano em homenagem ao filho.

Pensa mesmo assim? Essa é mesmo a sua forma de ver as coisas, ou com o tempo foi adaptando a sua forma de pensar? Parece o tipo de marido que muitas mulheres gostariam de ter ou o pai dos filhos delas. Presumo que já tenha ouvido isto.
Sim, já ouvi [risos]. O tempo todo observo e aprendo e afino melhor com os outros e adapto algumas coisas. O tempo todo ouço coisas e converso com pais e isso faz-me melhorar o discurso. O tempo todo estou construindo a minha ideia, com base no que vejo. No caso dos brinquedos, por exemplo, acho maravilhoso esta nossa capacidade de analisar que mundos tradicionalmente masculinos e femininos podem estar convivendo juntos. Às vezes digo: «Acho que pensava errado e agora penso de forma mais acertada.» Adoro conversar com pais e trocar umas ideias com eles. Ajuda-me a construir uma imagem.

E o contrário? Em que momentos é que esse pai cool fica ansioso e preocupado?
Preocupo-me demasiado com tudo. Muitas vezes não aproveito o momento porque estou muito preocupado e não consigo relaxar. Preocupo-me demasiado com a escola das minhas filhas, com a educação que elas vão ter, com a segurança delas.

Tem 36 anos, diz que gostava de ter uma filha a cada sete anos até ter a primeira neta e que a sua mulher e as suas filhas são contra esse plano. Mas e o terceiro filho? Ainda vai ao terceiro?
Gostaria muito de me envolver mais com instituições de apoio à criança. A gente ajuda algumas instituições aqui no Brasil e é muito legal quando a gente pode se aproximar de crianças de outras classes sociais, e que podemos ajudar e contribuir de alguma forma. Mas sim, gostaria de ter uma casa cheia e gostaria que nunca acabasse choro e fraldas e bagunça e ranho. Isso deixa uma casa feliz e deixa a nossa vida mais feliz, se a gente souber equilibrar tudo e aproveitar a vida ao lado dessas coisas, que são o nosso sol.