Pastéis de nata que atravessaram o oceano

Texto de Sofia Perpétua | Fotografias de Paulo Múmia

Sandra Jorge estava grávida do seu segundo filho quando, emigrante no Brasil, sentiu muitas saudades do café expresso e do pastel de nata ao pequeno­‑almoço. «Quando cheguei ao Rio de Janeiro, os pastéis de nata que experimentei não eram bons», diz a antiga delegada de propaganda médica que, apesar de ser natural de Leiria, ganhou o norte no sotaque pelos anos que morou em Braga. «Lembro­‑me de que em 2012 o ministro da Economia incentivou os portugueses a emigrar e a fazer pastéis de nata no estrangeiro. E eu pensei: porque não?»

Sandra reinventou­‑se ao reinventar o pastel de nata. Hoje é a responsável pela Casa das Natas em Copacabana, o único lugar no mundo onde pode encontrar por 6 reais (cerca de 1,5 euros) pastéis de nata de damasco, chocolate, banana, bacalhau e bolonhesa. A ousadia não fica por aqui, há promessa de testes com mais sabores. O negócio corre tão bem que, de agradecimento a Santo António, Sandra e o marido, João Pedro Sousa, entregaram no dia 13 de junho, cem pastéis de nata numa igreja do Rio de Janeiro.

O negócio corre tão bem que, de agradecimento a Santo António, Sandra e o marido, João Pedro Sousa, entregaram no dia 13 de junho, cem pastéis de nata numa igreja do Rio de Janeiro.

Passaram alguns séculos desde que as freiras dos conventos portugueses se fecharam na cozinha e no prazer das receitas ricas em ovos, açúcar e leite, até surgir um pastel de nata na baía de Guanabara. Em terras tupiniquins, a exuberância vinga­‑se na abundância de sabores e o pastel de nata acariocou. Tudo começou na cozinha de casa de Sandra. A partir do pastel de nata tradicional, a jovem empreendedora começou a criar, recriar e a testar receitas de pastéis de nata com sabores.

Um pastel de nata por dia

«Cada um pega na receita do pastel de nata e vai moldando ao seu gosto. Eu pensei: porque não tentar recheios diferentes? Doces e salgados?» A empresa abriu há quatro anos e a loja em Copacabana abriu há seis meses.

Cerca de 90 por cento da produção vai para restaurantes, botequins, delicatessens e apenas cerca de 10 por cento para a loja. Por mês produzem cerca de 300 mil pastéis de nata, sendo 200 mil tradicionais e 100 mil de todos os outros sabores. Os pastéis de nata de sabores apenas vendem na loja, para revenda está disponível o pastel de nata tradicional e o de bacalhau.

Sandra cedo percebeu que as propriedades e o custo das matérias-primas são diferentes no Brasil, teve de fazer muitos testes até conseguir o ponto certo. «Chegámos a deitar muita nata fora. Foi assim durante meses até conseguirmos chegar aos produtos que temos hoje.»

«Cada um pega na receita do pastel de nata e vai moldando ao seu gosto. Eu pensei: porque não tentar recheios diferentes?», conta Sandra Jorge. A empresa abriu há quatro anos e a loja em Copacabana abriu há seis meses.

Aquando da celebração dos Santos Populares portugueses no centro do Rio de Janeiro, a Casa das Natas de Sandra serviu milhares de pastéis de nata. Entre portugueses e luso descendentes, a jovem em­preen­dedora é a única que no meio de símbolos tradicionais arrisca a inovação. A reação a um pastel de nata é sempre a mesma, seja o presidente da República, a dona de casa, o comediante ou a advogada: um sorriso que denuncia a vontade incontrolável de provar.

Antes de começar a tirar pastéis de nata do forno, o pasteleiro Bruno Castro saltou em jeito de aquecimento de atleta, esfregou as mãos e pegou num tabuleiro cheio de pastéis de nata. «É um ritual meu, faço sempre isso. Gosto de mais de cozinhar.»

Bruno começou a trabalhar com a Casa das Natas quando no ano passado viu a azáfama com que Sandra e o marido tentavam servir centenas de pessoas cheias de apetite por pastéis de nata. Decidiu dar uma ajuda e desde então controla a produção da empresa. «Como pelo menos um pastel de nata por dia para controlo de qualidade.»

Atraídos pelo aroma que saía do forno, os clientes foram chegando. No balcão, açúcar em pó, canela e azeite. Sandra serve com gosto os primeiros pastéis de nata da vida de muitos cariocas e o pastel de nata da vírgula da saudade dos portugueses. Canela, um, dois, três toques e serve.

«Quando chegar a casa pode esquentar no forno», avisa a quem prefere levar os pastéis de nata para provar em casa. Abre a caixinha, confere, este com mais canela é o de banana, este com uma pontinha de damasco em cima é de damasco, o chocolate tem chocolate em cima e o de bacalhau tem uma azeitona, «vê­‑se na hora». «Depois digam­‑me se gostaram!», pede Sandra.

Clube de fãs notáveis

Gregório Duvivier, conhecido por ser parte do coletivo Porta dos Fundos, não resiste a um pastel de nata. «O de bacalhau é a cara de Portugal, combina bastante, e o tradicional é espetacular, sou muito fã. Os pastéis de nata que eu tinha provado aqui no Brasil ou eram pouco crocantes ou doces de mais», diz Duvivier. «Quem diria que o pastel de nata iriareinventar-se aqui no Brasil?»

Ao balcão, a advogada carioca Sarah Carvalho comeu quatro pastéis de recheios diferentes e reflete sobre a vontade de comer só mais um. «Pastéis de nata de sabores parece­‑me uma ideia engraçada e interessante. Em Portugal agora também têm pastéis de bacalhau com queijo da Serra, não é?», pergunta Ricardo Pereira, ator português popularizado pelas telenovelas da Globo e que mora há 13 anos no Rio de Janeiro.

«Não, não, eu não quero de sabores, quero o tradicional», insiste Cláudio Ribeiro, administrador de empresas no Rio de Janeiro. «Este pastel de nata não é exatamente como em Portugal mas não sei bem explicar porquê.» Onde há pastéis de nata, para além dos toques de canela, há sempre uma troca de histórias. Quem vem celebrar os Santos Populares tem fome e sede de Portugal.

Um grupo de quatro amigas chama Rui, o pastel de nata gigante da Casa das Natas, alvo dos caça-selfies. Ele vai a correr com um tabuleiro de minipastéis de nata para aguçar a curiosidade, o apetite, fazer crescer o olho, despertar a gula. «Estes pastéis de nata são iguaizinhos aos de Lisboa», diz Susana Patrocínio, carioca, professora de Literatura Portuguesa. «Os pastéis de nata de sabores diferentes funcionam muito bem aqui no Brasil, agora se o conceito funcionaria em Portugal não sei. O pastel de nata tradicional já é bom de mais.»

António Costa estive na Casa das natas e provou pastéis de sabores diferentes.

O primeiro-ministro, António Costa, conhecedor de combinações improváveis, não hesitou e provou um pastel de nata de damasco. «Acho uma ideia ótima estes pastéis de nata de vários sabores. Este, de damasco, está excelente, a massa está uma coisa do outro mundo, bem crocante.»

Enquanto distribuía beijinhos, o presidente da República, escolheu um pastel de nata de chocolate para provar depois. «Achei a ideia genial. Quero muito provar!»
Conhecido por ser apreciador de pastéis de nata, Marcelo Rebelo de Sousa ao retirar­‑se apertou o botão do casaco e comentou com a sua comitiva «eu quero é ir provar este pastel de nata de chocolate.»

Pastel de nata, não de Belém

Os brasileiros geralmente chamam ao pastel de nata «pastel de Belém». Sandra e os seus colaboradores contam que foram obrigados a repetir milhares de vezes que só se encontram pastéis de Belém em Belém, Lisboa. «Os brasileiros já começam a dizer “pastel de nata” e essa é uma das nossas grandes vitórias», diz Sandra . Quando chega uma cliente à loja, a portuguesa espera que o sotaque carioca abra as vogais de «pastel de nata».

O pastel de nata que mais vende é o tradicional, mas as pessoas pedem muito os pastéis de nata de sabores, «há quem chegue e peça para levar uma caixa grande com oito pastéis de nata de cada sabor!» Em breve, os de maçã e de abacaxi chegarão à Casa das Natas. «Vamos lançar mais sabores. Ainda estamos em testes com o pastel de nata de camarão e eu gostava de fazer um dia o pastel de nata de alheira.»

Com novos sabores, vêm também planos de expansão e a inauguração futura de mais duas lojas no estado do Rio de Janeiro, uma em Búzios e outra em Teresópolis. Pequenas vitórias para os residentes do Rio de Janeiro e para a doçaria portuguesa.

Mas quem quiser experimentar os pastéis de nata da Sandra tem de atravessar o Atlântico. «Estou sempre a convidar amigos e família para virem cá, se querem provar os meus pastéis têm de vir ao Rio de Janeiro.»

Apesar de pertencer a uma família de emigrantes, Sandra nunca pensou tornar­‑­se uma empresária dos pastéis de nata fora do seu próprio país. «Eu amo Portugal, sempre disse que nunca emigraria mas acabou por acontecer», confessa Sandra. «Tenho planos de voltar mas para já quero dar continuidade a este projeto, queremos crescer e abrir mais lojas.» Apesar de Sandra temer a insegurança e a violência que tem vindo a aumentar nos últimos meses no Rio de Janeiro, os negócios vão muito bem.

O que as pessoas mais perguntam quando vem à loja é «porque fazem vocês o caminho inverso? Com a crise política e económica no Brasil toda a gente quer ir para Portugal! O que que vocês estão a fazer aqui no Brasil?» Sandra ri e responde: «Estamos a fazer os brasileiros mais felizes!»

300 mil pastéis por mês

Sandra emigrou para o Brasil em 2012. Seguiu o marido informático que veio trabalhar para o Rio de Janeiro em 2011. Depois de surgir a ideia de fazer pastéis de nata e inovar a receita tradicional, seguiram­‑se anos de muito trabalho. A jovem empreendedora chegou a trabalhar mais de 14 horas por dia para dar resposta a tantas encomendas que surgiam. Hoje abriram loja própria e empregam 18 pessoas, das quais metade são portuguesas.

Tudo é feito em família, da decoração da loja ao design das caixinhas de pastéis. «No Brasil, é mais fácil crescer, temos mais mercado e, apesar de toda a conjuntura, mais oportunidades, é um mercado de milhões, só no Rio de Janeiro há mais gente do que em Portugal inteiro» (a estimativa é de que cerca de 16 milhões de pessoas residem no estado do Rio de Janeiro). Fazem 300 mil pastéis por mês, 200 mil tradicionais e 100 mil dos outros.