Os irmãos que trabalham juntos

Todos os restaurantes do chef Kiko Martins foram decorados pelo irmão António. Cresceram juntos no Brasil, andaram pelo mundo e desde há quatro anos tornaram-se uma equipa de sucesso. Agora estão a terminar um novo projeto, no Príncipe Real, em Lisboa, que abre as portas em abril.

Para conseguirem os objetos ideais para um dos bares do restaurante O Asiático, no Bairro Alto, em Lisboa, o chef Kiko Martins e o irmão, António, foram seis vezes à Feira da Ladra, o mercado de antiguidades no Campo de Santa Clara. Compraram miniaturas chinesas, rádios antigos, câmaras de filmar velhas, livros usados. Peças que estão agora a decorar o bar do primeiro andar do último restaurante que o chef inaugurou, em outubro passado.

A decoração foi toda idealizada por António Martins, decorador de interiores de 49 anos e um dos sete irmãos de Kiko. O mesmo aconteceu nos projetos anteriores: todos os restaurantes do conhecido chef foram decorados por António.

Foi assim n’O Talho, inaugurado em 2013, na Cevicheria, que abriu em 2014, e agora n’O Asiático. «Como é decorador, é natural que seja ele a fazer. Da mesma forma que a minha irmã, a única rapariga entre todos os irmãos, é obstetra e foi ela quem tratou dos partos dos meus dois filhos», diz o cozinheiro, de 37 anos.

António vive em São Francisco, nos EUA, mas os dois falam constantemente por e-mail ou por telefone. «Quando é necessário venho a Portugal», diz. Esteve cá neste mês de fevereiro e virá de novo em Março por causa de um novo projeto que têm juntos, e que abrirá em abril, no Príncipe Real, em Lisboa. «É uma sala para 12 pessoas onde podem jantar como se estivessem em casa», diz o chef Kiko.

Os dois escolhem e compram juntos tudo o que António idealiza para os restaurantes, desde os azulejos às cadeiras, passando pelos quadros e pelos candeeiros. «O grande toque de genialidade dele são as coisas simples», diz Kiko, exemplificando com um dos últimos objetos a entrar na decoração d’O Asiático: ele achava que a enorme parede branca da sala de jantar devia encher-se de plantas, mas António resistiu e propôs uma fotografia da Estufa Fria. «Mal a penduraram, olhei e admiti: “Ficou incrível”», recorda Kiko. O truque, conta António, é relatar uma história. «Aqui tentei contar a viagem dele à Ásia e, por isso, na parede de entrada coloquei fotografias que ele e a mulher tiraram.»

Gostam de trabalhar juntos e talvez por isso, admitem, têm tido sucesso nas escolhas que fazem. N’O Talho optaram por decorar o restaurante como se fosse uma loja e n’A Cevicheria apostaram na elegância. Neste último, a marca é o enorme candeeiro em forma de polvo, que surgiu por acaso. «Era para ser um candeeiro com conchas, mas o Kiko descobriu um artista e juntos desenhámos e conseguimos chegar aquele resultado», recorda António, que sempre que vem a Portugal aproveita para jantar em casa do irmão, a quem costuma pedir para fazer pratos dos quais tem saudades.

Como vatapá, comida baiana. Os dois cresceram no Brasil, para onde os pais foram viver nos anos 1970. Kiko nasceu no Rio de Janeiro em 1979 e quando tinha 11 anos regressou a Portugal, onde, apesar de se licenciar em Gestão de Marketing, em 2003, acabou por se dedicar à carreira de cozinheiro, que o levou a abrir O Talho em 2013. Pelo meio, fez voluntariado em Moçambique, em 2009, andou a viajar por 26 países de todo o mundo durante o ano de 2010.

Já António era criança quando foi com a família para o outro lado do Atlântico. Mas ao fazer 20 anos partiu para a Suíça para estudar Hotelaria, passou depois uns anos em Hong Kong e acabou por se especializar em design de interiores nos EUA, onde vive. Para celebrar um dos últimos trabalhos, pediu ao irmão Kiko para ir a sua casa, em São Francisco, fazer o jantar para um grupo de sessenta pessoas, entre amigos e clientes. «Num evento em que cada decorador fica encarregado de uma divisão, chamado San Francisco Decorator Showcase, no caso em 2014, fiz um quarto evocando Portugal e pedi ao Kiko para fazer bacalhau espiritual e sobremesas típicas, como encharcada ou toucinho-do-céu.

Mas ele não sabe fazer só uma coisa», diz a provocar o irmão, que, a rir-se, responde. «É verdade… fiz uns canapés de lavagante, bolos de bacalhau, bruschettas…» Todos adoraram que Kiko levasse os sabores portugueses até aos EUA. Mas o que o cozinheiro mais gosta é de, com a sua cozinha, «trazer o mundo para Portugal».