Olhar para eucaliptos

Notícias Magazine

A experiência do sublime não é, evidentemente, prerrogativa das religiões: podemos sentir um profundo deslumbramento, espanto ou veneração por paisagens, pelo espaço, por árvores ou por estrelas, sem ter necessariamente uma relação com uma divindade, seja ela qual for.

Essa experiência de assombro pela natureza faz-nos sentir mais pequenos, mais humildes, sentir que fazemos parte de um todo. Pode parecer estranho, mas olhar para paisagens torna-nos melhores pessoas, mais bondosas e altruístas. Um artigo da revista New Scientist diz que pessoas que acabaram de ver um vídeo sobre natureza, que provoque um sentimento de maravilhamento (em vez de outro tipo de emoções, também positivas, como alegria, otimismo, esperança, etc.), «as torna mais éticas, mais generosas e próximas dos outros».

O mesmo artigo refere ainda que depois de contemplar grandes árvores (na experiência em questão, eucaliptos), ficamos mais propensos a ajudar o próximo e que depois de «observar o esqueleto de um Tiranossauro rex, passamos a ter uma maior sensação de pertença».

Este fenómeno, estudado pelo psicólogo e investigador Dacher Keltner, é justificado pelo facto de, ao nos sentirmos esmagados pelo que vemos, haver um desvanecimento do ego e uma consequente sensação de que somos parte de um todo vasto e sublime. Este assombro, lê-se neste artigo, é mais poderoso do que a experiência religiosa ou mística.

Porque vivo no campo, perguntam-me muitas vezes se a ruralidade não é uma inspiração. Como se um ambiente campestre e um horizonte a perder de vista nos tornassem génios. Costumo brincar e dizer que olhar para vacas não me torna melhor escritor. E que não escrevo debaixo de um sobreiro, mas a olhar para um ecrã.

E que a leitura é uma fonte de inspiração mais segura do que um campo de milho. Contudo, sei que há paisagens cuja grandiosidade nos altera e se entranha no corpo passando a fazer parte de nós, como unhas ou cabelos, e que a beleza nos eleva.

Creio também não ser preciso que o objeto da nossa contemplação seja grandioso como uma cadeia montanhosa ou um ocaso. Um grilo ou uma folha de Outono poderá igualmente impressionar-nos. Porém, continuo sem saber se há ligação entre uma paisagem e a qualidade da literatura.

Sei que Gertrude Stein gostava de intervalar a escrita com a contemplação de pedras e de vacas. Falta fazer um estudo sobre isto, mas enquanto esperamos por ele, podemos sentarmo-nos a olhar para um grande eucalipto ou para umas vacas, não pela eventual inspiração, mas porque, tudo indica, nos faz melhores pessoas.