O genro

Notícias Magazine

Eu sei, é outra vez. Mas não é culpa minha, é truque dele. Donald Trump fantasia tanto que trama os cronistas. Obriga-nos a escrever sobre ele, tanto, que os leitores já reagem: «Outra vez?!» É, outra vez. Desta, ele criou um White House Office of American Innovation e pôs à frente dele o genro. Traduções: genro é o marido da Ivanka, e o White House Office etc. pode ser traduzido como Repartição da Casa Branca para a Inovação Americana. Mas eu prefiro tradução melhor: Ministério dos Passos Esquisitos. Vocês sabem, o Ministério dos Passos Esquisitos (não confundir, no plural; nada a ver com o outro Passos, esquisito no singular) foi um dos geniais gags dos Monty Python.

John Cleese era um funcionário dos Passos Esquisitos, ia para o trabalho de chapéu de coco, casaco e colete escuros e calças cinzentas, e bizarras passadas. Corpo solene mas pernas e pés endoidados e imaginativos. Na repartição ele atendia os candidatos que iam propor passos excêntricos.

Pois é aí que estamos. A América, por este andar, é só passos esquisitos. E o novo cargo de Jared Kushner (o genro) não sei se não é o pior deles: um passo maior que a perna. Lembrando: Kushner chegou, aos 36 anos, a um gabinete na Ala Oeste da Casa Branca, sem nenhuma experiência em governos, nem um poucochinho de passado político nem, tão-pouco, diplomático.

Só tinha ajudado a gerir o negócio imobiliário do pai, Charles Kushner. Este, por duas vezes, foi condenado e preso por crimes fiscais e ter chantageado o cunhado (com fotos de uma prostituta) por julgar que ele o denunciara ao FBI. A inexperiência não impediu Jared, nos dias seguintes à tomada de posse, de ser nomeado pelo sogro para resolver um pequenito assunto internacional: «Se não puderes fazer a paz no Médio Oriente, ninguém conseguirá.»

Entretanto, na semana passada, Trump viu derrotada a tentativa de substituir o Obamacare por nova política de saúde. Apesar de terem a maioria na Câmara dos Representantes e no Senado, muitos congressistas republicanos tiraram o tapete ao Presidente, receando vir a pagar eleitoralmente por apoiarem a impopular receita de Trump no corte de despesas de saúde. Foi depois dessa derrota que a Casa Branca anunciou as tais novas funções do Primeiro Genro.

Novas porque ele já tinha outras. Além da paz entre Israel e Palestina, coisa pouca, ele dirigia um gabinete onde dirigia, cito The Washington Post, «a reforma dos veteranos de guerra e o combate à adição aos opiáceos». Então, desde a passada segunda-feira, Jared Kushner passou a coordenar a transformação do funcionamento da Casa Branca, com vista a privatizar alguns departamentos governamentais. «O governo deve trabalhar como uma grande companhia americana», disse ele ao The Washington Post.

Em si mesmo, o objetivo é promissor: qual é o governo que não precisa de inovar? E se for à americana, seguindo o exemplo de muitas grandes companhias americanas, há muito de bom a esperar. O problema é a experiência do genro. Já não é da falta dela em governação que eu falo – é das empresas privadas que ele conheceu. A do pai, que acabou na prisão. E a adquirida por osmose, a das empresas do sogro. O último grande casino que Donald Trump construiu, o Taj Mahal, obrigou-o a abrir falência um ano depois. Uma das seis falências que Trump, o empresário, já teve.

Que os veteranos reformados, os viciados em opiáceos, os israelitas e os palestinianos me perdoem, mas preferia ver o genro dedicado só a eles. A Casa Branca penhorada é demasiado perigoso para o mundo.