Tony Strong: o escritor inglês, um thriller, duas mulheres e uma vida (quase) perfeita

Texto de Sara Dias Oliveira
Fotografia Pedro Granadeiro/Global Imagens

Tem um novo livro. Já são mais de dez. Este A Rapariga de Antes é uma história de amor, um jogo, um thriller, um drama? Onde o encaixaria?
É uma boa questão até porque se trata de um diferente tipo de livro. Comecei a escrevê-lo há 15 anos, com a ideia de escrever sobre um arquiteto minimalista. A maioria da arquitetura resulta de uma colaboração entre cliente e arquiteto e a casa acaba por refletir essa relação. O minimalismo não é comum num arquiteto e o cliente tem de concordar em viver dessa maneira.

Pensei então no que aconteceria se esse arquiteto levasse as coisas um pouco mais longe. Não necessariamente olhar para o minimalismo, mas para um pacto de viver de uma determinada maneira naquela casa. Foi assim que tudo começou. Comecei a escrevê-lo, depois parei, e comecei outro. Acabei por voltar e reescrevê-lo.

Depois de escrever dez capítulos, não estava a conseguir que funcionasse, voltei a colocá-lo de parte. Por cada livro que escrevesse poderia sempre voltar a este. Voltei finalmente e um homicídio misterioso começou gradualmente a fazer parte da história. Decidi tirar um ano, acabar todos os meus projetos e concluir este sem qualquer expetativa de que seria publicado.

Acabou por ser publicado e está a ser bem recebido. O que aconteceu?
Deitei fora a primeira metade do livro, trinta mil palavras, e, de repente, tornou-se fácil de escrever, o que foi muito estranho. Ainda antes de o terminar, o meu agente levou-o para Nova Iorque e leu-o. No dia seguinte, voltou a Inglaterra e disse-me que o queria publicar. Pouco depois, editores de trinta países estavam interessados no livro. Aconteceu tudo muito rapidamente. E é o sonho de qualquer escritor: de repente, ter o mundo focado no seu livro.

No livro, há duas mulheres, dois homens, um arquiteto que impõe condições a quem aluga a sua casa. A Rapariga de Antes é também uma história sobre começar uma nova vida?
Sim, em parte, é sobre começar uma nova vida, mas é também sobre querer mudar a nossa própria vida, viver uma vida mais perfeita. Uma das razões por que demorei tanto a escrevê-lo foi precisamente porque precisei de bastante tempo para perceber sobre o que realmente seria o livro.

Não era sobre um mistério, o minimalismo, mas sim sobre o desejo, que penso que todos temos, de viver uma vida mais bonita, uma vida mais perfeita. E eu percebo isso. Como trabalho numa indústria bastante visual, como é a publicidade, compreendo o apelo das coisas belas e a repugnância pelas feias. Tenho um filho autista, comecei a escrever o livro logo que ele nasceu.

Nessa altura não percebi, mas penso que esta foi a minha reação ao perceber que não ia viver uma vida perfeita, que o meu filho não ia viver uma vida perfeita. Não se trata necessariamente de mudanças, mas sim de opções.

«Gosto de estar a escrever alguns dias da semana – eu, o computador, os meus pensamentos – e, de repente, estar num ambiente colaborativo, a resolver problemas que nada têm a ver com a escrita. A publicidade é o contrário de escrever romances. Torna-se cada vez mais difícil conciliar as duas coisas.»

Parte da sua história pessoal está também neste livro, ao dedicar a obra aos seus filhos?
Antes de o meu filho Oliver nascer, tivemos outro filho, que morreu. É muito difícil escrever sobre estas experiências emocionalmente tão fortes. Há, de facto, algumas linhas no livro, muito poucas, na verdade, que sei que não teria escrito se não tivesse tido essa experiência.

De que forma construiu a história do livro? Há um antes, um agora, recuos, avanços. Duas mulheres com histórias semelhantes.
Comecei a pensar na forma como psicopatas assassinos atuam. Acredita-se que têm uma assinatura, gostam de repetir, como a história de Jack, o Estripador, matam as suas vítimas exatamente da mesma maneira. Repetem mas também refinam. É quase como um escritor. Apercebi-me de que é como um escritor que conta uma história uma vez e outra vez, tentando que fique perfeita.

Escrevi e reescrevi este livro. E seria interessante contar a história de duas vítimas, que são manipuladas de uma maneira muito semelhante, não de uma forma contínua, mas contar, recomeçar, voltar atrás, fluindo, não repetindo. Há aquela imagem das portas dos comboios que deslizam, como se houvesse uma mulher com duas histórias diferentes. No livro é o contrário, são duas mulheres mas há apenas uma história.

A grande questão para o leitor é que sabe o que aconteceu com a primeira mulher, mas não sabe se a segunda mulher será forçada à mesma história, ao mesmo final. E a construção do livro tornou-se incrivelmente difícil de fazer porque eu não queria qualquer repetição.

O livro inspirou um filme de Ron Howard. Como está este processo?
O livro despertou a atenção logo que foi apresentado na Feira do Livro de Frankfurt. Foi um processo intenso, falar com os estúdios cinematográficos, diretores e produtores, por telefone na maioria das vezes. Falei com Ron Howard e com outras pessoas também. E a possibilidade de uma colaboração tornou-se uma possibilidade, com ele a realizar.

Tínhamos os elementos principais a trabalhar de forma estreita, conversei com eles, que queriam os guionistas com quem tinha trabalhado anteriormente, e senti que era a coisa certa a fazer. Eu escrevi o livro, mas não tenho autoridade para mudar isto ou aquilo. São muito bons realizadores. Sei que vão fazer um bom filme.

Quando poderemos ver o filme?
Ainda não sei. Fazer um filme é sempre um processo complicado. Penso que já têm o primeiro rascunho do guião. Acho que o poderemos ver dentro de alguns anos.

Quando e porquê decidiu começar a escrever?
Sempre quis fazê-lo. Quando era criança, estava sempre a escrever poemas, histórias curtas. Por volta dos meus 20 anos, comecei a escrever romances. E é mais fácil escrever livros com diferentes nomes, para diferentes géneros. Assim, quando as pessoas compram um livro de JP Delaney sabem o que estão a comprar.

É escritor e copywriter numa agência de publicidade. Escritor primeiro, homem da publicidade depois? Ou os dois ao mesmo tempo?
São completamente diferentes. Publicidade não é escrever, é um negócio, é colaboração, é resolução de problemas. É uma indústria que se move muito depressa e é muito jovem, a maioria das pessoas anda na casa dos 20 anos. Gosto de estar a escrever alguns dias da semana – eu, o meu computador, os meus pensamentos – e, de repente, estar num ambiente colaborativo, a resolver problemas, que nada têm que ver com a escrita.

Diria que é o contrário de escrever romances. E isso é bastante atrativo para mim. Mas neste momento, depois da publicação do livro, torna-se cada vez mais difícil conciliar as duas coisas. Talvez tenha de escolher…

Se tiver de o fazer, o que escolheria?
É óbvio. Andar pelo mundo a falar e a vender o seu livro é o sonho de qualquer escritor. Os meus livros anteriores venderam alguns exemplares, tiveram algum sucesso, mas nada como este que acabo de lançar. É, portanto, uma grande oportunidade.

Se lhe pedirem para escrever um slogan acerca do mundo de hoje, o que escreveria? Um pequeno slogan sobre o mundo que temos.
Na publicidade nunca escrevemos um slogan acerca do mundo. Na publicidade, não se vai assim tão fundo, fala-se sobre uma marca. Quando se escreve um slogan, procura-se sempre um propósito. Como escritor, as personagens podem ser complicadas. Na publicidade, temos de ser muito positivos. O mundo de hoje está cheio de oportunidades, mas a que preço?

Como olha para o brexit? O Reino Unido está a sair da União Europeia. O país vai sobreviver?
Nós vamos sobreviver, temos de sobreviver. O país não pode falhar. O assunto dividiu o país, sobretudo entre os que vivem em Londres e os que vivem noutras zonas. Durante a campanha, em Londres, onde trabalho, não conheci ninguém que quisesse que o país saísse da União Europeia.

Mas no dia seguinte ao referendo, fui a um almoço numa cidade, no Sudoeste de Londres, e todos que lá estavam queriam sair. Isto revela algumas brechas na maneira como a Grã-Bretanha tem sido governada, de certa forma é muito semelhante ao que está a acontecer na América.

As divisões são cada vez mais severas. Houve um período de choque das pessoas que votaram para sair e das que votaram para ficar. Todos têm a sensação de que vai ser um caminho difícil, mas as pessoas estão a ficar resignadas e sabem que esta decisão implicará uma grande mudança para a nossa economia, para tudo. Mas nós vamos sobreviver.

 

A RAPARIGA DE ANTES

Emma tenta recuperar do final de uma relação e aluga uma casa sem adereços, com muita luz, tetos altos. O arquiteto que desenhou a casa quer que o espaço transforme quem lá vive. Não permite livros, objetos pessoais, fotografias. Jane procura uma nova vida e aluga uma casa elegante e minimalista e sabe entretanto que a inquilina anterior, semelhante a si em idade e aparência, morreu naquele espaço.

Enquanto tenta descobrir o que aconteceu, repete os mesmos padrões, faz as mesmas escolhas dessa mulher. A Rapariga de Antes foi publicado em Janeiro nos EUA e chegou às livrarias portuguesas (ed. Suma de Letras), no início de abril. Quarenta editoras internacionais apostaram na obra e a Universal Pictures comprou os direitos cinematográficos – o realizador Ron Howard está a comandar as operações.

O livro, considerado um bestseller pelo New York Times, é dedicado pelo escritor ao filho Ollie, «uma das poucas pessoas no mundo que nasceram com síndrome Joubert Tipo B» e à memória do seu irmão mais velho, «o nosso rapaz de antes».