Não somos racistas, mas…

Notícias Magazine

Não há estatísticas que representem a cor da pele, em Portugal. Ou a origem étnica. Não sabemos quantos negros há, nem onde estão, a que classes pertencem, o que fazem, que estudos têm. Sabemos que há cerca de vinte mil angolanos, quarenta mil cabo-verdianos, 17 mil guineenses, dois mil moçambicanos, e dez mil são-tomenses. Mas esses números dizem pouco, não falam dos descendentes de anos e anos da história comum de Portugal com os países africanos que também já o foram…

Esta ideologia estatística tem um lado bom. É sinal de evolução na escala humana não ter de perguntar a alguém de que cor é – ou se acha. Começa-se a perguntar a cor e acaba-se a diferenciar pela cor. Para o bem, mas também para o mal. É o que acontece nos Estados Unidos, onde os grupos étnicos vivem separados – e, dizem os analistas, parte do fenómeno Trump e do facto de ter ganhado as eleições a seguir a Obama tem muito a ver com isso.

Em Portugal, as coisas são diferentes. Temos pelo menos quinhentos anos de idas e vindas. E isso criou misturas, miscigenações, e um outro ambiente social, mais neutro, menos segregado. Com zonas a preto e branco, sim, mas também com muitas outras cinzentas. Há um certo laxismo com que tratamos estas questões, mas também uma predisposição natural para não tornar as diferenças determinantes nas nossas relações com os outros. É como acontece com todas as outras questões da nossa vida comum: nunca somos muito taxativos. Mas também não confrontamos os problemas de frente quando os temos.

Não compro a teoria de que somos todos mais ou menos racistas: no fundo, ou à superfície, uns latentes, outros evidentes. Tenho outra tese: a da distância. Essa que não existe nas camadas sociais e etárias em que negros e brancos convivem diariamente – basta ir a um baile de quizomba num bairro suburbano ou numa discoteca africana para verificar que o racismo não passa por ali, e se há uma réstia dele é a funcionar ao contrário, entre os que não conseguem o menear das ancas que parece vir atrelado à melanina.

Cenário diferente é o que é refletido pela comunicação social. Portugal é um país de brancos, na televisão e nos jornais. E isso é o reflexo do facto de Portugal ser um país de brancos na política, na economia, na ciência e em todos os lugares onde cada vez mais só chegam as elites, num sistema de reprodução social desgastado que não dá lugar à renovação ou à evolução, muito menos à integração. Já agora, na própria comunicação social – onde os negros raramente são pivôs e muito frequentemente aparecem associados a coisas negativas como assaltos e gangues.

Os portugueses não são racistas. O que determina algum grau de estranheza é a distância socioeconómica a que estão uns dos outros. A estranheza é parte integrante do processo social. E é aqui que reside o lado mau das estatísticas não discriminatórias – não as havendo não há análise, nem a assunção de que Portugal sim, tem um problema racial. Não havendo problema, ninguém procura solução. Já que andamos a falar tanto de responsabilidades políticas várias, esta é mais uma prova da falência da política e do Estado.