Não FFF mas BFS

Notícias Magazine

Andamos há vários dias a levar com o tríptico Fátima, futebol e fado – desde que o fim de semana passado juntou não exatamente os três, mas os dois primeiros e mais um F, o do Festival Eurovisão da Canção. A fórmula foi repetida nas redes sociais, ganhou lugar em artigos de cronistas e até fez primeira página do jornal Público.

Como sempre, estamos entre o soundbite e a ignorância, combinados com a preguiça mental dos novos tempos, esses em que vivemos perseguindo a viralidade e não a consistência. Ou então, pior, uma futilidade que amalgama tudo, o que tem significado e o que não tem, sem análise nem recuo.

O nacionalismo e o patriotismo são noções simples para quem os sente, mas complicadas quando ideologizadas. São signos e precisam de ter contexto para que neles se vertam, ou coisas boas ou coisas péssimas. Coisas boas como o sentimento ufano que todos sentimos ao ouvir representantes dos júris de diversos países da Eurovisão esforçarem-se por falar português enquanto dão 12-pontos-12 à canção portuguesa. Começamos a falar na primeira pessoa do plural, a nossa canção, o nosso país, o nosso rapaz cantor. Até, a nossa senhora de Fátima. Ou o nosso Benfica – sendo certo que, neste caso, a divisão se faz definitiva e dura, entre o nosso e o deles.

Este sentimento de pertença, do que nos une, tem um lado péssimo. Afasta-nos dos outros e do mundo. É sempre através dele que nos chegam as piores coisas da humanidade. As guerras e as divisões. E a tacanhez, que era o que acontecia quando dominava em Portugal a trilogia os três F – nesse caso, fado, futebol e Fátima. E aqui chegamos ao busílis, à questão que nos afasta desse momento histórico, estando hoje tão longe dele como nunca estivemos.

A Fátima onde foi o Papa Francisco pode parecer, à primeira vista, atrasada: essa, sim, das gentes que se arrastam pelo chão em pagamento de uma promessa que fizeram e julgam ter sido concedida, a do negócio das velas em ebulição, ou do comércio que enxameia as redondezas do santuário com pechisbeque chinês vendido ao desbarato e sob várias formas imaginativas. Mas essa não é a única Fátima que existe, e foi o Papa que o disse quando se referiu à «santinha a quem se recorre para obter favores a baixo preço». O discurso, elevou-o ele, mas a verdade é que, por cima dessa camada de fé pagã e de baixo raciocínio, há hoje uma outra ideia de Fátima, entre católicos e não católicos, inteligente, caridosa e… moderna.

O Festival Eurovisão da Canção não é exatamente fado. Tem, pelo contrário, para os portugueses, uma longa história de contrapoder, precisamente quando o fado permanecia uma arma melancólica do regime. Aliás, mesmo que fosse fado, a música mudou tanto nos últimos anos que nunca se enquadraria na letra desta trilogia. Ficou, lá está, moderno. Tão moderno que podemos até ir buscar à sua sonoridade contemporânea, simples e crua, sem trinados nem trejeitos, um pouco do que fez Salvador Sobral no palco de Kiev. Mas lá está, esta nossa presença no festival é mais do que isso. É de um rapaz e uma rapariga inteligentes, que fizeram o que lhes apetecia fazer: uma música bonita. A autenticidade é a última das categorias – ou se tem ou se não tem. Os Sobral têm-na. E nisso são tão modernos.

O que resta? O futebol, consubstanciado no Benfica. Uma réstia de atavismo e do que Portugal tem de pior? Talvez durante o campeonato e as lutas tolas entre clubes, direções e claques. Porque as festas do Marquês de Pombal não. Nessas parece que o clube renasce, e são sempre um elogio da diversidade e do cruzamento social, novos, velhos, ricos e pobres de todas as cores… Uma festa moderna, portanto. Como está este Portugal que agora temos. Habituem-se.